terça-feira, 13 de julho de 2010

Onde nascem os textos

Às vezes sinto em mim a angústia do nascimento de um texto. É como um filho que se revira dentro do corpo da mãe, tentando decidir se luta para sair ou se implora para ficar. É uma agonia que domina, perturba, alucina.

Primeiro, vem uma vontade enorme de escrever, mas não sei nem sobre o que. É só desejo, é vontade de manipular as coisas do mundo e traduzir todas elas em palavras, frases, parágrafos. Mas eu não vivi todas essas coisas. Só posso escrever sobre o que me pertence, sobre o que minha inspiração e minha imaginação enxergam. Existem limites. Inúmeros limites.

Não posso jamais esperar que nasça de mim uma crônica digna de Clarice Lispector, ou um conto como os de Edgar Allan Poe ou os de Oscar Wilde. Não escreverei ensaios como os de Thoreau, os de Emerson ou de Virginia Woolf. Quem sou eu para escrever como eles? Não vivo as mesmas coisas que eles viveram, não conheço o mundo deles, não divido com eles nada além do gosto pela escrita. Eles escreveram o que eles foram, o que existiu dentro deles e é isso que eu faço. Nossa semelhança termina aí.

Então, o que nasce de mim é o que eu sei, o que eu sinto, o que eu compreendo. E só. E mesmo assim, só vira texto aquilo que minha própria censura permite. Irônico isso, não? Mas todos nós nos censuramos. Não posso escrever sobre o que me der na telha porque muitas de minhas histórias não são só minhas. Não tenho direito de expôr seus coadjuvantes sem autorização. Não posso tornar público meu ódio por uns e nem minha admiração e amor por outros. Não posso dividir com o leitor uma coisa que vá magoar ou prejudicar alguém de quem eu gosto. Poder até posso, mas não consigo, não me permito.

É por isso que é preciso adaptar tudo, modificar os fatos, esconder nomes. É preciso reescrever enredos, reconstruir e reinventar tudo. Às vezes, dessas mudanças nascem histórias completamente inusitadas, mas isso não tira delas minha marca. Todas são minhas. São o resultado da transformação da minha realidade em literatura. Pura e simplesmente isso.

A verdade é que os textos, todos eles, mais que de um surto de inspiração, vêm de uma experiência de vida ou de algo que eu vi e fui capaz de transformar em literatura. Parece ser um processo elementar, mas não é. Muitas vezes eu quis escrever aqui coisas que meu crivo me impediu de dividir. Mais vezes ainda eu não tive o que escrever. Hoje mesmo senti uma vontade incontrolável de escrever, mas sobre o que? O que em mim podia virar literatura? Nada?

Assunto até que tinha, mas o que valeu mais a pena foi me expôr. Despir meu processo criativo por completo e deixar claro que de dentro de mim saem histórias de pessoas aventureiras, frustradas, bem-secedidas, entediadas. Todas versões de mim mesma. Facetas da minha complexidade. E todas detalhadamente esculpidas pelo meu rigoroso senso crítico.

Se o que eu escrevo agrada, não me importa. Se eu não agrado a todo mundo, jamais poderia esperar que a minha escrita o fizesse. Não me importo com isso. Escrevo para mim e por mim. Escrevo porque é quase uma necessidade fisiológica. Porque eu ficaria louca se não fosse capaz de reinventar minha própria exitência. Porque aí eu deixaria de viver pra somente sobreviver. Qual é a grandeza e a beleza disso?

Lara - dando à luz 
  

4 comentários:

Shimabuko disse...

What a nice text! Not much of a surprise, but you are as good as a writer as you are as a teacher! I liked the text mainly because it explains not only yours, but part of my own creative process.
Well, I don't know what else to say about this particular text. All I have to add is that it made me want to read more =P

See ya!

Rosana Araújo disse...

Ótimo. Escrever é mesmo um parto! Botar pra fora aquilo que não cabe mais em você, que precisa de um novo ambiente para existir e que nem sempre sai de maneira tão fácil...

Lara disse...

Guilherme!!!

Nice to see you here!
Please visit our blog on a regular basis from now on.

Thanks for your kind words!

Shimabuko disse...

Actually, from time to time I come here to read something, I just never thing of anything to say =P