quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Borges

Ele estava em uma cadeira de rodas, imóvel, mas amava a ver dançar. Ela tinha um encanto pela música, especialmente da maneira que só ele sabia como tocar. Não eram amigos, eram apenas conhecidos. Se viam de vez em quando no shopping, no parque, no cinema, tinham vários gostos e amigos em comum, mas não eram amigos de verdade. Se cumprimentavam quando se viam e trocavam uma idéia ou outra, mas nada muito profundo. Eram apenas conhecidos.


Um amigo dele, aliás, um grande amigo dele um dia começou a namorá-la. Imagina a surpresa dele! Imagina a surpresa dela ao ver que o grande amigo do namorado era aquele menino simpático da cadeira de rodas! Começaram a se ver com mais freqüência e a se conhecer. Ele admitiu que adorava a ver no palco, e ela enrubesceu tão sutilmente que só ele foi capaz de perceber. Era graciosa até nos momentos de timidez, ele pensou. Ela admitiu ter os mesmos gostos musicais que ele, e falou ainda que antes dele sofrer o acidente, quando ele tocava em shows na universidade, ela nunca faltava uma apresentação. Era uma fã incondicional.

Começaram a cultivar uma amizade de verdade. No dia em que a avó dela morreu, ele estava lá para segurar sua mão, no dia em que ele ingressou para o mestrado, ela foi a primeira a saber. Enquanto eles se tornavam melhores amigos, ela e o namorado cresciam também em seu relacionamento. Então em um domingo ensolarado, em um churrasco aparentemente sem muito compromisso, o namorado decidiu a pedir em casamento. Era o sonho dela começar uma família e ela aceitou na hora.

Foi aí que as rosas começaram. No começo ela achou aquilo tudo muito estranho, mas romântico. Desde que ela tivera se tornado noiva ela recebia uma rosa todos os dias pela manhã em sua casa. Não era bem a cara de seu noivo ficar mandando uma flor todos os dias para ela, mas só podia ser ele. Ela achava o máximo  receber rosas por que fazia referência ao seu livro favorito inclusive. Ela não era o tipo de pessoa que tinha admiradores secretos e amores impossíveis, era uma pessoa muito bem resolvida acima de tudo. Tinha agora já uma imensa coleção de rosas. Tinha semanas que vinham só as vermelhas, outros dias mudava e mandava as amarelas, as brancas, as rosas. Quando ela perguntou o sentido das rosas para o noivo, ele se fez de desentendido, falou que não sabia do que ela estava falando. Ela, em sua inocência, achou encantador a negação.

Mas aí o inimaginável aconteceu. Nas vésperas do casamento, no que devia ser a época mais feliz na vida dela, seu melhor amigo morreu. Foi um ataque cardíaco fulminante, sem muito mistério. Aconteceu e ele morreu. Os médicos a asseguraram que ele não tinha sofrido muito. Isso a tranqüilizou, mas não diminuiu a dor.

Ela se conformou e a vida continuou.

Mas as rosas, essas nunca mais apareceram misteriosamente em sua casa.


Steph - desvinculando

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

tudo que eu queria te dizer

- Eu consegui um emprego em outro estado.

Abri a janela do carro. Me senti meio tonta com uma leve ânsia de vômito. Como assim? Como que você faz isso comigo!? Mas só sorri.

- É mesmo? Que estado?

Não era essa a reação que eu esperava. Não tinham me dito que ela gostava de mim? "Em que estado?" era só isso que ela tinha pra me falar? Quem liga pra qual estado eu estou indo, eu queria que ela pelo menos fingisse que ficaria triste com a minha partida.

- Curitiba. A empresa vai arcar com todas as despesas nos primeiros seis meses até eu me adaptar.

Até você se adaptar? Espero que você nunca se adapte! Espero que você tenha a pior experiência do mundo nesse seu novo emprego!

- Que ótima oportunidade, hein! Essa você não podia deixar passar mesmo!

É, de fato eu não podia deixar passar mesmo, mas... Era sério que ela achava isso uma ótima oportunidade? Ela está até sorrindo! Nossa, bom saber que sou tão insignificante assim na vida dela, justo agora que estávamos nos conhecendo melhor.

- É, eles geralmente perguntam para os mais novos e solteiros da empresa por que não tem família nem nada muito significativo os segurando em um lugar específico.

Isso foi uma indireta? Nada significante? EU sou nada na sua vida? Você só entra na minha vida quando bem entende e agora já tá praticamente de malas prontas pra me abandonar pra sempre e quer realmente que eu fique feliz por isso? Você não vai dar nem uma chancezinha pra essa nossa amizade tão frágil?

- Ah, claro! Faz perfeito sentido, se eu fosse você, nem pensaria duas vezes. Também aceitaria na hora.

Aceitaria na hora? Eu quase nem aceitei por que queria te conhecer melhor mesmo com essa minha timidez que não consigo superar. Por que você não entende que eu gosto de você?

- Pois é, ainda mais que não tem nada me segurando por aqui...

Ok, isso foi uma indireta. Não é possível! Fala alguma coisa, qualquer coisa para diminuir esse silêncio. Sério, qualquer coisa mesmo. Vai lá, salva essa situação. Por que ele tá me olhando desse jeito?

Se declara logo e acaba com esse sofrimento de uma vez por todas. Oportunidade melhor que essa nunca mais na vida, que fique bem claro! Vai, fala! E esse olhar dela?

Mas aí o momento passou e o silêncio continuou.

E ele não falou nada.

E ela também não.

 
Steph - brincando com a ficção e a realidade

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O amor é um bichinho que roi roi roi

Todo mundo escreve de amor. Todo mundo fala de amor. Todo mundo procura amor. Todo mundo tem uma ideia do que é amor. E não importa o quanto se defina amor, cada um vai ter sempre sua imagem do que é isso. Para mim é um bichinho que roi roi roi, que consome cada pedaço da alma de quem ama de verdade. É a constante vontade de estar perto, mesmo quando já está. É querer compartilhar, dividir sua vida com alguém e não ver a mesma graça nas coisas sem essa pessoa ao seu lado. É querer ser cada vez melhor para que o outro te suporte e te ame não pelo o que você é, mas apesar disso. É sentir que você não é plenamente dono de si porque seu coração pertence a alguém. É deixar de ser orgulhoso e egoísta para poder ser completo.

Amor, meus caros, é uma coisa complexa. Eu poderia escrever livros e mais livros na vã tentativa de defini-lo, mas a verdade é que amor não tem definição. Porque toda definição é limitadora e o amor desconhece limites. Pode parecer clichê, mas quem ama, sabe que é verdade. Amor não é para ser discutido, é pra ser sentido.

Mas se é assim, por que esse post? Porque ontem me perguntaram se só existe um grande amor para cada um. Pensei bastante no assunto e respondi que achava que sim. Só existe UM GRANDE AMOR DA VIDA. Pode parecer pessimismo à primeira vista, mas se pararmos para refletir sobre isso, acho que concordarão comigo que, feliz ou infelizmente, é isso mesmo. Um amor só e pronto. Quer ver só?

Pode ser que você encontre grande amor da sua vida e viva uma linda história junto com essa pessoa. Vocês se casarão, terão filhos, brigarão, se odiarão, mas se amarão cada minuto de todos os dias de suas vidas. Vocês terão sorte de se encontrarem. Não será fácil ficar junto, mas vocês darão um jeito porque não existe a possibilidade de vocês iverem um sem o outro.

Pode ser que você encontre seu grande amor, viva um história com ele, um capítulo da vida de vocês apenas e pronto. Pode ser que a morte ou a vida os separe. Pode ser que vocês sejam simplesmente uma parte da vida do outro, mas isso não significa que vocês não viverão um grande amor. Pelo contrário, viverão sim, mas será breve. Pode ser que a distância os separe, que outras pessoas sejam mais convenientes, que simplesmente não dê certo. Mas essa pessoa, seu grande amor, essa será a que te ensinou o que é amar de verdade, é nela que você sempre vai pensar com carinho quando acontecer algo que te recorde dos momentos que você viveram juntos. É o sorriso dela, as piadas ruins, o gosto musical esquisito, o cheiro, o gosto dela que vão ficar encalacrados em você. Para sempre. Porque esse foi seu grande amor.

Pode ser que você encontre seu grande amor e não possa vivê-lo. A vida é assim. Paciência. O amor pode sim ser impossível. Por que não? Ele pode ser o irmão do seu marido, ou a melhor amiga da sua noiva que é apaixonada pelo namorado dela, ele pode não te querer porque já encontrou o grande amor dele. Afinal, quem disse que amor tem que ser mútuo? O importante é que o fato de você não poder viver seu grande amor, não o diminui. E você é privilegiado também. Nem todo mundo vive um grande amor!

Pode ser também que você nunca encontre seu grande amor. Não deu certo de vocês de encontrarem, ué. Desencontros acontecem. Às vezes ele esteve debaixo do seu nariz e você não viu. Às vezes você esbarrou com ele na livraria, mas nem viu que ele estava lá. Às vezes vocês simplesmente seguiram caminhos opostos e aí não dava mais para se encontrarem. Nem por isso você será infeliz. Não é isso. Amor e felicidade não são sinônimos! E existirão outros amores na sua vida. Você amará seus fihos, seu cachorro, seu companheiro, seus amigos, sua família, seu trabalho. Sei lá. Só não vai viver um grande amor. Daquele que te faz ter vontade de fugir por uns dias pra cometer loucuras ou para comer panquecas. Daquele que te faz querer brincar de desenhar carinhas felizes nos dedos das mãos um do outro ou cavar buraco na areia para enterrar os pés. Daquele que te faz perder os sentidos. Isso você não vai ter, mas terá outras coisas.

Se me perguntarem qual amor eu prefiro... Meu lado romântico quer o primeiro, meu lado poético, o segundo, meu lado pessimista não quer nenhum. Mas a verdade é que não importa o que eu prefiro. Não sou eu quem escolho que tipo de amor eu viverei. A vida se encarrega disso e ela me deu o primeiro.

Muitos dirão que tive sorte, outros, que nem tanto. Alguns arriscarão dizer que isso é o que eu penso hoje. Pode ser. Tanto faz. Não me importa porque não é isso que eu estou querendo dizer. O que eu estou querendo dizer de verdade é que não adianta procurar o amor. Ele é que encontra a gente. E aí... aí é outra história...

Lara - deixando as conversas mais malucas gerarem frutos, né, Steph?

domingo, 28 de novembro de 2010

Bola dupla de chiclete

Tem dias que a gente acorda achando que vai dar tudo certo. Não vai ter engarrafamento, nem encontros indesejados, nem emails pentelhos, nem aborrecimentos, chateações ou decepções. Não vai dar nada errado mesmo. E aí, por um milagre de Deus (ou não), tudo realmente dá certo. Você vive cada minuto daquele dia do jeito que você tinha planejado até que chega a hora de ir dormir para enfrentar um novo dia. Esses dias perfeitos (ou quase) se esvaem da nossa memória. Já reparou? Apesar de serem os dias certos, a gente não guarda lembranças deles.

Mas aí vêm os dias péssimo. Aqueles em que tudo sai errado. Engarrafamentos até na sua rua, telefones, emails e encontros indesejados, almoço ruim, trabalho demais pra tempo de menos, canetas que não funcionam, impressoras sem cartucho, mancha de macarrão na sua camisa branca, calça jeans que não abotoa mais. Aqueles dias que destroem seu humor e te fazem ter vontade de morar num buraco fundo pra sempre. Esses até ficam na memória, mas não todos. Senão não funcionaríamos. Não teríamos ânimo para dar o próximo passo.


Os dias que realmente contam, os que são memoráveis, no entanto, não são inteiramente bons ou ruins. São aqueles que te dão a sensação de que não está tudo perdido. Aqueles em que você se levanta, têm suas expectativas destruídas, mas que de alguma forma se salvam. Hoje foi um dia desses para mim.

Acordei antes da hora que eu gostaria, comi um almoço bem mais ou menos, inventei de ir numa feira onde mais uma vez tive uma amostra grátis do quão lascada minha geração é, mas aí... Aí resolvi que a vida é dura demais pra ser levada a sério. Fui ver filme com os amigos e fazer campeonato de bola dupla de chiclete. E quer saber? Adorei! Finalmente dei conta de fazer as bolas duplas mais legais. Nem minha melhor amiga estourando-as na minha cara me incomodou. Porque é pra esses momentos que a gente vive! Para se ocupar de fazer as coisas mais bobas nas melhores companhias e para constatar que muitas vezes a nossa felicidade não está no que a gente deixa de ter, mas nas bolas de chiclete que a gente aprende a fazer por aí.

Lara - comprando um estoque eterno de babaloo

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Em boca fechada...

Eu tenho uma coisa pra falar. Mas não posso.
Aliás, eu tenho várias coisas pra falar.
Coisas sérias e coisas inúteis. Boas e ruins.
Mas não falo nada.
E por que não?
Simples!
Porque em boca fechada não entra mosca!
Porque o silêncio não me traz consequências.
E nem me obriga a ficar me explicando.
Nem gera discussões intermináveis e nem achismos.
Não  abre as portas pra dupla interpretação.

Sim, é verdade que o silêncio não resolve nada.
O simples fato de eu me calar não significa que o que eu falaria não existe.
Mas agora é o máximo que dá para fazer.
Porque acabou a paciência!
Cadê a paciência pra explicar o óbvio?
Pra lidar com a burrice (ok, limitação é mais politicamente correto) dos outros?
E a paciência pra aguentar os analfabetos das entrelinhas?
Cadê?

Paciência é uma virtude para poucos e a minha é bem seletiva.
É por isso que não escrevi mais.
Não tava com saco pra traduzir minha vida e meus pensamentos em posts poéticos e cheios de metáforas.
Se fosse para falar, eu ia cuspir marimbondos.
E aí viriam as consequências.
E para essas eu não tenho paciência mesmo.
Se fossem consequências dignas, tudo bem.
Mas normalmente elas não são.
São meros frutos do egocentrismo daqueles que não sabem ler de verdade.
Se você nos lê e entende, processa o que a gente fala, tudo bem.
Se você se ocupa de achar que tudo aqui é bronca e puxão de orelha pra você, tudo bem também.
É, meu caro, consciência pesada é uma merda!
Mas se você lê, acha que tudo gira ao seu redor e exige reparações, é pra você que não tenho mais paciência.

E quando você ler isso aqui, não se ocupe de se sentir magoado porque levou um tapa na cara online.
Interprete o texto!
E lembre-se que se a carapuça serve, não é culpa de quem escreve, porra!
É culpa sua!
Exclusivamente sua!
Não tire nosso tesão de escrever!
Não exija nada de nós!
Lide com seus monstros em silêncio.
Porque eles são só seus.
Eles assombram só você.
E fique calado.
Porque em boca fechada não entra mosca.

Ooops. uma acabou de entrar na minha aqui.
;)

Lara - englindo moscas e cuspindo marimbondos

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Os finais felizes e infelizes

Era uma vez, em um reino distante, uma linda princesa e um príncípe encantado. Eles passaram por um monte de coisa para poderem ficar junto e, quando finalmente conseguiram o que queriam, viveram infelizes para sempre. Ela reclamando de tudo, gorda e acabada e ele bebendo cerveja e alisando a pança.

Num ninho de mafagafos tem dois mafagafinhos
Quem os desamafagafar primeiro bom desamafagafador será
E ainda terá um prato cheio pra jantar!

Vou me embora pra Pasárgada
Lá trabalharei que nem escravo
Perderei meu entusiasmo
E descobrirei que Pasárgada é que nem o resto do mundo!

Ah, que saudade que sinto da minha infância querida, da aurora da minha vida, dos tempos que já não voltam mais.
Das provas infernais de matemática
Da gordinha que roubava meu lugar na fila da cantina
Dos apelidos malvados
Do palhaço que afundava a ponta das minhas canetinhas
De ter horror de ser obrigada a socializar com os filhos dos amigos dos meus pais.

Batatinha quando nasce
Não se esparrama pelo chão.
Fica debaixo da terra, porra!

No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Eu abaixei, catei e joguei na cabeça do cara que tava andando na minha frente

Fulano amava Ciclana que amava Beltrano que não amava ninguém
A vida é assim e pronto
Conforme-se!

Atirei o pau no gato-to
Mas o gato-to não morreu-reu-reu
Dona Chica-ca chamou o Ibama e mandou me prender

Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia-volta
E ir embora
Porque esssa história de andar em círculo é muito idiota

Moral da história:
A vida é assim. Cheia de finais. Alguns felizes, outros infelizes
Mas no final das contas, quem escreve esses finais somos nós mesmos.

Lara - escrevendo finais e começos todos os dias!

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Cadê o tempo que tava aqui?

Não tenho tempo!
Essa é minha mais nova desculpa pra tudo!
Por que você está sumida? Por nunca mais apareceu em tal lugar? Por que não está lendo a pilha de livros que você tem pra ler? Por que não comprou o que tem que comprar? Por que não fez back up do computador? Por que não estudou mais? Por que não entrou no mestrado ainda?

Penso, penso, penso sobre essas coisas e a resposta é sempre a mesma: me falta tempo! Que o tempo é relativo todo mundo sabe. Sim, duas horas assistindo seriado passam infinitamente mais rápido do que duas trabalhando. Einstein já sabia disso e não tem como discordar. Mas o grande problema do tempo para mim é que não importa quanto tempo eu tenha, nunca parece ser o suficiente!

Nunca tenho tempo suficiente para mim, para investir em mim, para gastar com as coisas que eu realmente quero fazer. Talvez seja porque a vida não deixa que seja diferente. É preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar. Essa é a prioridade! É preciso se esgotar em obrigações e esquecer que o mundo é mais que isso. É assim que o dia-a-dia exige que vivamos. Ou não? É preciso maximizar o tempo para esquecermos de nós mesmos e nos perdermos em nossas tarefas.

Olha só, não estou reclamando de ter obrigações. Não é isso. Trabalhar é bom. O que é ruim para mim é não ter tempo para mais nada. É chegar em casa e não ter forças para ler um livro sequer. É sentir meu cerébro fritar de cansaço e saber que o tempo que teoricamente eu teria para mim não será realmente meu; será de outras coisas que tenho para fazer. Difícil viver assim! Sem nunca parar...

É isso que eu quero! Um relógio que pare! Não precisa ser muito. Pode ser só por uma hora por dia, mas quero um relógio que não deixe o tempo se esvair, que congele um pouquinho para eu parar e descansar a cabeça de tudo. Já pensou que luxo seria se pudéssemos todos fazer isso todo dia? Só uma horinha... Poder parar e fazer o que quiser. Se deixar invadir pelo ócio sem culpa. Dormir um sono tranquilo. Assistir uma coisa bem boba na televisão. Ver os amigos. Qualquer coisa. Eu quero fazer qualquer coisa, contanto que seja para mim e sem sentir que com isso estou desperdiçando meu tempo. Por que quer saber de uma coisa? Estou cansada de não ter tempo para nada e de correr constantemente contra o relógio. Está mais do que na hora do relógio correr atrás de mim.

Lara - tentando arrumar tempo pra sobreviver

domingo, 14 de novembro de 2010

filosofia de taxista

Já dizia alguém famoso, não sei bem quem exatamente, que conselho, se fosse bom, não se dava de graça. Sábias palavras, caríssimo autor anônimo, sábias palavras.
Eu não sei bem o que eu quero da minha vida. Talvez seja por isso que eu comprei uma passagem sem volta para o Rio de Janeiro. Estava chovendo quando desembarquei e entrei em um taxi qualquer de aeroporto.

O motorista não perguntou para onde eu ia, simplesmente colocou minha bagagem no porta-malas e dirigiu como se já soubesse tudo da minha vida e não precisasse de maiores instruções sobre meu destino.

Como já éramos amigos íntimos ele começou.

- Sabe, o bom não é o amor. O bom é casar. É tão bom que já me casei 10 vezes.

Não sabia bem o que falar ou como reagir. Minha primeira reação foi rir, mas segurei a vontade. Talvez ele realmente fosse vidente! Um pai de santo, talvez. Por que não? Eu devia falar algo sobre meu destino, mas não me pareceu apropriado no momento. Qual era a pressa, não é mesmo? Não era esse o ponto da minha aparente loucura?

Ele sabia da minha história, certeza. Continuou.

- Esse negócio de amor é coisa de adolescente. Gente velha quer mesmo uma boa companhia e só.

Fazia sentido pensei pra mim mesma. Fiquei dois anos atrás de um suposto grande amor e para quê? Para ser monumentalmente decepcionada no final, respondeu aquela voz amiga do meu subconsciente. Não gostei da resposta, afinal de contas, não foi tão ruim assim. Eu finalmente consegui o que tanto queria, uma pena só a realidade não ter correspondido com minhas expectativas.

O taxista se intrometeu nos meus pensamentos. Não gostou da conversa interna que estava tendo, queria fazer parte do papo.

- Já sofreu por amor minha filha? Mexe com isso não. Quando for namorar, ame só 10% senão você vai sofrer.

Ele claramente sabia do que estava falando. Sabia que tinha feito algo de errado, amei com um zero a mais!

Estávamos em pleno engarrafamento carioca, não tinha para onde fugir. Não precisava dizer para onde eu tinha que ir por enquanto. Continuei calada.

- Sabe, muita mulher desesperada entra no táxi e roda a cidade toda chorando atrás do marido ou namorado. Perda de tempo.

Não me surpreendi, mas achei cliché na hora. Por que rodar a cidade toda, gastar dinheiro se você já sabe que o seu marido ou namorado está te traindo? É a tal da dor, né? Rejeição realmente não é pra qualquer um e se tem algo que a gente não esquece é traição. Por mais que depois ele se arrependa, te escreva uma carta dizendo tudo que você sempre quis ouvir, você sempre vai ter um pé atrás com ele. Nunca vai confiar totalmente nele, especialmente quando ele for sair com aquelas amigas que você sabe que não valem nada.

O meu amigo não se contentou e prosseguiu.

- Se tá bom fica, se não tá, separa. Tem gente demais nesse mundo pra ficar brigando e dizendo 'ah, mas eu amo é você'.

Isso é mesmo. Era exatamente isso que eu precisava ouvir. Uma segurança verbal, mesmo que vindo de um completo estranho, para me assegurar de que o que eu estava fazendo não era errado, não era fuga. Se fosse isso que eu queria eu nunca teria abdicado daquele sofá que eu tanto quis experimentar. Nunca.

O engarrafamento foi lentamente melhorando e começamos a andar. Me deu uma vontade louca de chorar, mas as lágrimas não desceram.

- Vou ficar entre a Figueiredo e a Barata Ribeiro. Rua 567, na esquina do Itaú, eu falei pela primeira vez.

Ele não falou mais nada durante a viagem até chegarmos lá.

- Serão R$35,60 da corrida, os conselhos ficam por minha conta.

Steph - tentando

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Queda de braço

Lutei duelos terríveis.
Contra inimigos terríveis que vão desde monstros no meu armário até ex-amigos.
Lutei contra o mundo.
Contra a maré. Contra a descrença em mim mesma. Contra a preguiça.
Lutei pelo meu direito de sonhar. Sonhar dormindo e acordada.
Lutei pelo direito de falar e mais pelo de ficar calada.
Por espaço, por sossego, por vontades também.
Lutei para acordar, para dormir, para enxergar, para escutar, para fugir, para ficar, para sumir.
Para ser quem eu sou, para abrir mão de quem era para eu ser.
Lutei até para parar de lutar.
E ultimamente nem sei para que ainda insisto em lutar quando meu maior inimigo sou eu mesma.
Meus medos, minhas inseguranças, meus defeitos, minhas limitações, minha complexidade.
Nessa queda de braço, sempre saio perdendo.


PS: Queridonas voltando à ativa!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Outubro

Chegou como alívio
Já não aguentava mais setembro
Precisava de notícias boas, de novos ares, de uma pontinha de esperança
Esperei, esperei e esperei por esse mês que me traria conforto e um pouco de chuva
O feriado era para eu descansar e ajudar o tempo a passar mais rápido
O fim do semestre era para dar um pouco de ânimo
Mas e aí, outubro? O que foi que você fez?
Me decepciounou!
Sugou o restinho de energia que eu estava poupando
Potencializou meu mau humor, meu cansaço e meu stress
Não trouxe nenhuma boa nova
Não atendeu às minhas expectativas
E o pior de tudo?
É que parece que está durando 2 meses!
Para que tudo isso?
Para que andar tão devagar?
Para arrastar novembro pro fundo do poço também?
Chega de outubro!
Chega de novembro e dezembro!
Chega de mesmice, de decepção!
Chega de 2010!


Porque ô anozinho mais sem graça esse, viu
Deu quase tudo errado...

Lara - sempaciência para dar tempo ao tempo

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O divã e eu

- Por que você não experimenta deitar no divã na próxima sessão?
- Mas por quê?
- É só um convite... Se preferir pode ficar aí.
- Mas é normal você chamar as pessoas para deitarem no divã?
- Como assim "normal"?
- Normal, ué! Todo mundo deita aí ou só quem é mais louco ou problemático?
- Por que você se preocupa tanto em ser normal?
- Não sei...Acho que porque ninguém quer ser anormal...
- E o que é ser anormal?
- Não sei...
- Por que você seria anormal?
- Não sei... Difícil responder essa... E por que deitar no divã? Pra que serve?
- Para você olhar mais para você. Para você dialogar com você mesma.
- Mas não é estranho eu não olhar no seu rosto quando eu falo com você?
- Não. Por que seria? Você não tem que olhar para mim.
- Eu sempre aprendi que a gente tem que olhar nos olhos quando conversa com alguém. Acho estranho não te ver. Entende? É normal isso?
- Mas eu estou aqui. E olha você se preocupando com a normalidade de novo...
- Não consigo evitar...
- Não precisa olhar para mim. Você está aqui para conversar com você, não comigo.
- É....Faz sentido. Na próxima sessão vou tentar. Se eu não gostar, posso voltar para poltrona?
- Pode. O que te deixar mais confortável. Mas vai ser bom para você... Você está preparada pro divã.

Verdade! Eu estava mesmo preparada para olhar mais para mim.

domingo, 17 de outubro de 2010

três quartos

pois é, quem sou eu?
as vezes eu acho que ninguém sabe quem eu sou de verdade.
sério. acho que, pra falar a verdade, nem eu sei quem eu sou por completo.
sou uma pessoa quando estou na faculdade, sou uma outra pessoa no trabalho, aqui em casa já sou uma outra pessoa totalmente diferente, e por aí vai. sou mil e uma personalidades em uma só pessoa.
eu consigo ser emocionalmente forte quando se trata de questões de saúde, e daí uma fracote quando se trata de amor. sou muito inteligente pra umas matérias, e uma lerda pra aprender outras. ao mesmo tempo que tenho muito sono, não consigo dormir. penso e re-penso em tudo e em nada ao mesmo tempo. quero mudar, mas odeio mudança. não tenho paciência e quero tudo pra ontem, mas eu não faço nada para mudar essa minha rotina. alguns me acham engraçada, enquanto nunca consigo fazer outros sorrirem. uns me acham legal, outros nem tanto. cada um parece ter sua própria opinião ao meu respeito - e eu que nem uma opinião consigo formar?
as pessoas captam o que emitimos, mas acho mesmo que o que eu transmito é sim um quarto daquilo que sou.



enfim, o que eu quero dizer é que eu estou em busca dos 3/4 que me faltam! mas cá entre nós, essa busca podia ser um pouco mais fácil, não é mesmo?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Diálogos.

- Ótimo. Aconteceu de novo. O que eu faço agora?
- Calma, a gente vai resolver isso.
- Agora ninguém mais vai confiar em mim... Nem sei se eu mesma vou!
- Não é bem assim, essas coisas acontecem com todo mundo.
- A impressão que eu tenho não é bem essa.
- A principal pergunta é: você se sente culpada pelo que aconteceu?
- Culpada não. Pelo menos não sozinha.
- Claro, você não é a única envolvida na história. Além do mais, é difícil achar um único culpado nesse tipo de situação.
- Ah nem, mas justo comigo?! Como eu vou explicar isso? E minha mãe? E meu namorado? E justo agora?
- Olha, eles vão entender, acidentes acontecem...
- É... Talvez depois de uma década.
- Não exagera! É só conversar e explicar exatamente o que aconteceu.
- Vai ser ótimo explicar que eu fui engavetada entre outros 5 carros.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Achados e Perdidos

Era para ser tudo diferente.

Era para eu ter achado a felicidade suprema,
os melhores amigos do mundo,
os destinos mais interessantes para minhas longas férias...

Era para eu ter achado a fórmula mágica do emagrecimento,
o segredo para ganhar muito dinheiro,
as respostas para todas as minhas perguntas,
os filmes mais interessantes,
os  livros mais bem escritos...

Era para eu ter me achado também.
Achado a minha verdadeira essência.
meus sonhos,
minhas vontades.

Achei?
Não!
Perdi!

Perdi a paciência,
 a cabeça,
um monte de gente também.

Perdi as poucas respostas que eu tinha,
a força de vontade arrebatadora,
o ânimo para sair por aí procurando, procurando, procurando pelo simples prazer de encontrar.

E nesses encontros inusitados,
quase sempre só acho o que não quero,
o que não me serve,
o que não me agrada...

Por que não parar então?
Por que não desistir de procurar?
Por que não me conformar com minha falta de direção?

Não sei.
Sinceramente essas são só algumas perguntas cujas respostas desconheço.
Talvez eu ainda procure na esperança de encontrar o "Achados e Perdidos" ideal.
Ou talvez simplesmente ainda não tenha encntrado a coragem para parar de procurar.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

me ama!

Por que você só não acorda um dia e diz que me ama?
Vamos! Anuncie, grite, mande um telegrama!
Diz que me quer em qualquer lugar- no carro, no sofá, inclusive na tua cama!
Vamos! Verbalize, escandalize, aceito até um anagrama!
Não poupe palavras - me faça sentir irresistível, até mesmo quando estou de pijama!
Deixa de drama - liberte essa paixão que eu sei que te inflama!
Vamos! Esparrama!
A dois, não serei mais dama!
Quero amor que abale até o sismograma!
De noites com você - quero mil e uma quilogramas!
Quero cansar, suar, enjoar - todo esse melodrama!
Mas você aí com esse seu silêncio e essa sua fama
Uma pena mesmo você não estar interessado nesse tipo de programa
Preciso mesmo desenhar um diagrama?
Que você então aproveite muito essa sua Brahma
Já fiz minha parte, agora é com você - e depois?
bom, depois não reclama!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sorry...

Querido leitor,

Eu sei que devemos desculpas a vocês. Todo escritor deve desculpa a seu leitor em algum momento, não é mesmo? J.K. Rowling me deve muito mais do que desculpa depois daquele final péssimo de Harry Potter, Stephenie Meyer me deve por ter feito eu gostar de literatura tão pobre, Poe e Wilde me devem por terem me encantado com literatura de alto nível. Saint-Exupery, por ter escrito sobre a vida como ninguém jamais o fará, J.D. Salinger por ter criado um personagem igual a mim.

Agora, nós devemos desculpa a vocês pelo pior motivo do mundo: pelo silêncio!  Escritor que é digno, que honra seu ofício não se cala jamais, não se cansa jamais. Mesmo quando a inspiração o abandona, suas histórias lhe fogem do alcance e nada acontece, ainda assim o escritor tem que enxergar a possibilidade da escrita.

Quando seus problemas pessoais, suas batalhas individuais, seu cansaço, sua exaustão, seu desgaste forem tão grandes que parecem sufocar, cabe ao escritor achar seu rumo e escrever, escrever, escrever. Nada justifica o silêncio! Quem consegue escrever, quem tantas vezes usa a escrita como válvula de escape, quem tem o dom de enxergar na realidade matéria de poesia não pode nunca abandonar o leitor, ou mesmo o papel, que sempre lhe deu apoio e nunca lhe virou as costas.

Erramos. Todas nós erramos ao deixar que nossas vidas pessoais tirassem de nós a vontade, o ânimo ou até mesmo a obrigação de escrever. Erramos ao não abrir um pouco mais os olhos para procurar as palavras que nos seguem por todo lado. Erramos ao sermos egoístas e abandonar esse espaço que cultivamos com tanto suor e carinho.

Por tudo isso, sentimos muito. Como todos os seres humanos, erramos, falhamos, deixamos que nosso pessimismo e nosso humor levem vantagem sobre nós. Nos permitimos curtir uma fossinha de vez em quando e descansar da voracidade do teclado. Deixamos que nossos sentimentos nos tire a ânsia de traduzir nossas vidas em parágrafos.

Assumimos nossa falha e, diferentemente de J.K. Rowling que nunca me pediu desculpas por ter arruinado a história de Harry Potter para mim depois de tantos anos de espera, prometo tentar errar menos. Prometo escrever mais, criar mais, me envolver mais. Prometo tentar incansavelmente lutar - até contra mim mesma -- para manter esse blog ativo. Prometo escrever. Simples assim. Escrever. Tentar. Viver.

Um grande abraço um tanto envergonhado,

Lara - tomando a liberdade de falar pelas Queridonas.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Vida de cão

Todo mundo reclama da vida. Não importa quão positivos (ou até mesmo Pollyanas) sejamos. Em algum momento vamos nos sentir frustrados, incomodados, revoltados, decepcionados e vamos reclamar. Seja via Twitter, blog, Gtalk ou até mesmo por meio da fala (Incrível como a nossa comunicação mudou, né?), o fato é que vamos choramingar. E o que há de errado nisso?

Reclamar faz parte da natureza humana, não? Bom, da minha faz! E eu sou humana, então... O que eu quero dizer é que se não é normal, pelo menos é comum chorar pitangas. E sempre vai ter alguém para concordar com a gente. Já percebeu? Sempre tem alguém que também detesta segundas-feiras ou que também está de dieta. Ou alguém que quer matar todo mundo no trânsito ou chutar o balde e mudar para Lua. Sempre tem um para reclamar da NET, das operadoras de celular, dos restaurantes, dos filmes ruins, de tudo. E se você parar para pensar nisso, vai ver que nossa miséria procura companhia. Quando você não aguenta mais a academia, você liga para aquela amiga que está na mesma que você só para ver que você não está sozinho. Ou quando você trava uma batalha telemártica de horas com a atendente de algum SAC, você se vangloria para aquele colega que também se orgulha de fazer o mesmo. Vai dizer que não? É sempre assim!

Mas aí vem aqueles dias piores em que você constata que está vivendo uma vida de cão: seu salário não dá para nada, você está acima do peso, suas roupas ficam horrorosas em você, seus amigos têm vida social e você não, você não é bem-sucedido como achou que seria, seu cabelo está de mal de você, a falta de chuva está acabando com sua pele, tudo está errado. Aí, meu amigo, nem chocolate na causa, né? Bate mesmo aquela depressão do cão e nada te tira do fundo do poço. Muito pelo contrário! Sempre vai ter alguém para te puxar mais para baixo...

Contra isso, ainda não achei remédio. Acho que ninguém achou, né? Parece que o tempo melhora as coisas e vem sempre um outro dia, um seriado novo, uma pessoa nova, uma comida ou um gesto de carinho de alguém para te levantar e te empurrar de volta para o mundo real e para sua vidinha de cão. E aí me pergunto: isso é mesmo vida de cão? Ô expressãozinha mais mal empregada, viu?

Tem muito cachorro por aí sofrendo, mas aqui em casa, vida de cão é vida de rei. É cama, comida e coçadinha na barriga! Não tem preocupação, nem trabalho, nem stress. E quando faz alguma coisa errada, é só fazer uma carinha de coitado que já está tudo bem. Todo mundo se derrete... Cachorro sim sabe apreciar a vida! Eles ficam felizes com pouco e sabem dar valor às pessoas certas. Nunca se decepcionam. Balançam o rabinho para o dono amigo e sabem que nada vale mais que um buraco bem cavado, um pratinho de água fresca e uma caixa de brinquedo. Eles não julgam como nós. Perdoam e sabem se entregar de corpo e alma. Sabem ser amigos de verdade, sem pedir nada em troca.

E isso é vida de cão? Se é, é essa vida que eu quero para mim! Quero uma vida mais amena, mais simples e mais verdadeira. Quando tudo estiver ruim, vou deitar no sofá e tirar um cochilinho no colo de alguém até tudo passar. Quando eu tiver ânimo, vou correr pelo jardim loucamente até minha língua não caber mais dentro da boca. Depois vou encher de beijos aqueles que gostam de mim e pedir um pouco de carinho. Se encontrar quem não me interessa por aí, mostro meus dentes e sigo meu caminho. Não guardo máguas e nem ressentimentos. Não me policio e faço o que quero. Se eu errar, peço desculpa do jeito mais charmoso que eu puder e deixo isso para lá. Viver que nem cachorro é viver intensamente. Cada minuto como se fosse o último. Da maneira mais honesta possível. Como a vida devia ser vivida. Talvez algumas das grandes lições que temos que aprender estejam bem debaixo de nossos narizes, latindo para gente. Já pensou nisso?

domingo, 26 de setembro de 2010

palavreando

O que vale mais - gestos ou palavras?

Por mais que nós sonhamos que aquele gatinho do carro branco ligue pra gente quando disse que ia ligar, por mais que rezamos que ele queira, nem que seja só uma vezinha sequer, nos fazer uma surpresa, se lembrar de algo que dissemos, por mais que ele se dobre em quatro, faça tudo que a gente sempre desejou ainda vai ficar faltando algo - aquela verbalizaçãozinha que nem importa mais depois dele praticamente te dar um continente inteiro. Sim, ainda assim vamos querer uma afirmação verbal do quanto somos importante, bonitas, inteligentes.

Não me limito em dizer que isso se restringe ao amor. Todo mundo quer uma verbalização positiva a seu respeito. Você estudou (claro, depois de deixar tudo para o último minuto, depois de enrolar o final de semana todo, depois de curtir o namoro, depois de ir ao cinema ver aquele filme que você nem fazia tanta questão) e foi bem na prova! Vai dizer que não é bom escutar um: "nossa, você é f*da, hein!?"

Eu sei, eu também sou assim. É por isso que eu acredito que palavras falam mais que gestos, que palavras são verdadeiros orgasmos para os nossos ouvidos. Afrodisíaco mesmo é saber que alguém disse algo bom a nosso respeito, sobre o nosso novo corte de cabelo, sobre nosso emprego, curso, artigo! Então termino o post reforçando: rapazes, amigos, digam tudo o que sentem por nós, ressaltem os pontos positivos, assim, assim....isso!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Com que freqüência você lê?

De verdade. E eu não estou falando das placas e propagandas espalhadas pela cidade e nem das notícias em destaque dos jornais e sites. Muito menos das legendas na TV. Eu digo: livros, literatura! E eu ainda vou mais além, quero saber os livros que você lê por puro prazer - nada daquelas (talvez traumatizantes) obrigações escolares. Quero saber qual foi a última vez que você abriu um livro por curiosidade e ao ler a história pensou “El@ adivinhou o que eu queria dizer” ou “Que fantástico!”?

É triste pensar que esse tipo de situação ainda é relativamente ‘rara’ no nosso cotidiano. A literatura tem sido deixada em segundo plano por muitos ou mesmo esquecida em alguma parte daquela lista gigante de afazeres. Afinal, ‘eu posso viver sem ter lido esse ou aquele livro’, e ‘leitura demanda tempo’ - a vida anda tão corrida - ‘depois eu vejo o filme’. Ou a melhor: isso é coisa de intelectual, eu tenho que trabalhar! Não era pra ser assim. Quando foi que a literatura passou a viver em outro plano? Longe do nosso dia-a-dia?

Na verdade, a atual relação com a literatura chega a ser paradoxal. Todos nós sabemos a importância da leitura, sabemos que ela ajuda a desenvolver habilidades de escrita, adquirir vocabulário, trabalhar o imaginário e fantasia (e quem sabe transformar a realidade) e mais uma série de coisas. Literatura nos ensina a pensar e crescer e descobrir! A gente sabe disso. No entanto, é apenas mais um discurso que permanece no mundo das idéias. E ainda é possível ouvir que ‘com meus filhos vai ser diferente’. Agora eu me pergunto: como isso vai ser possível? Como esperar da futura geração se estamos apenas perpetuando velhos hábitos?

Hábito. Acredito que literatura é, acima de tudo, uma questão de hábito. Oras, é preciso, então, criar esse hábito da leitura desde cedo e a qualquer hora! E não que isso seja apenas papel da escola ou da família. Os meios de comunicação são armas poderosas e (especialmente a TV - com sua enorme audiência) poderiam fazer muito pela literatura. Mas já reparou quão raras são as cenas em programas/novelas/séries que incluem livros e literatura? (Ainda bem que a Internet está indo bem até agora!). Enfim, eu acredito no poder dos livros, acredito que ele pode encurtar distâncias e acredito que a gente pode mudar isso. Acredito, inclusive, que eu poderia dedicar mais tempo às minhas leituras...

Pronto, falei.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

a crônica da caixinha

Enquanto eu olhava pela última vez as ruas de Brasília e me despedia silenciosamente das minhas memórias você olhou pra mim - talvez pela primeira vez.


"Por que você está tão triste? Não era isso que você queria?"

"Continua sendo o que eu quero."

"Então por que essa cara?"

"Acho que a pergunta certa seria, o que você está fazendo aqui?"

"Como assim?"

"Faz mais de um ano que não nos vemos ou nos falamos direito e por alguma razão, de todas as pessoas que eu conheço e realmente se importam comigo, você é quem está me levando para o aeroporto."

"Não faz tanto tempo assim, faz?"

Ainda com a cabeça encostada no vidro e olhando para a paisagem respondi que de fato fazia um ano que não nos víamos.

Foi você quem finalmente quebrou aquele silêncio esmagador: "Acho que nunca te agradeci pelo chaveiro que me deu hoje."

Ainda sem olhar para ele, ri. "De nada. Você também nunca agradeceu o outro chaveiro que te dei de aniversário uns anos atrás."

"Agradeci sim!"

Ignorei o comentário. "Aliás, por que ele não está aqui com suas chaves?" Tirei o meu rosto do vidro, sentei direito e o encarei.

"Ele está guardado em uma caixinha no meu guarda-roupa."

Sem pensar, respondi: "Ah, assim como a nossa amizade."

Você quase ultrapassou o sinal vermelho. "Como assim como a nossa amizade?"

"Assim como você guardou o chaveiro em uma caixinha, você decidiu guardar a nossa amizade lá também. Faz mais de um ano que temos uma conversa decente e você entra e sai da minha vida a sua conveniência. Fico chateada que nossa amizade, melhor, que eu sou do tamanho de uma caixinha e que fico acumulando poeira em cima de várias outras coisas que cabem dentro de um armário."

Você nunca teve coragem de responder e o resto da ida até o aeroporto foi gritantemente silenciosa.

Quando eu finalmente embarquei recebi uma mensagem sua, mas não tive coragem de ler e deletei na hora.

Alguns anos depois, nos encontramos em um supermercado e você perguntou por que eu nunca respondi aquela mensagem. Fui honesta e disse que nunca cheguei a ler. Você me contou o que tinha escrito.

E daí eu olhei para você e percebi como você era de verdade - talvez pela primeira vez.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Três desejos

Um dia desses, algo muito estranho aconteceu comigo. Eu estava andando   pela praia quando de repente tropecei em alguma coisa enfiada na areia. Comecei a cavar freneticamente, totalmente dominada pela curiosidade. O que poderia ser? Não demorei muito a elaborar diversas teorias (uma mais ridícula do que a outra): uma arca de tesouro, uma mensagem em uma garrafa, um pé de bota perdido. Essas são as coisas que as pessoas normalmente encontramnos filmes, certo? Bem, eu fui mais sortuda! Eu encontrei uma lâmpada! Difícil acreditar? Eu sei, mas é verdade. Ah, e não parou por aí. O que você faria se você encontrasse uma lâmpada dando sopa por aí? Eu segui meus instintos - meu espírito de Aladdin - e a esfreguei. Adivinha só quem saiu daquela porcaria velha... Um gênio! Massa demais, né?

Mal consegui digerir a surpresa. Quando que eu ia imaginar que essas coisas realmente existiam... Como se eu não estivesse suficientemente surpresa, aquele homem de aparência tão estranha vira para mim e diz:

"E aí, mina? Quais três desejos você vai me pedir para tornar realidade? Pode mandar que eu faço."

A essa altura minha mandíbula já estava tocando o chão. Era simplesmente inacreditável!

"Eu acho que um copo d'água ia bem, hein.", ele continuou.

Eu só balancei a cabeça em concordância e um copo de água surgiu em minha mão direita. Depois de me beliscar inúmeras vezes, decidir ir com a maré. O que de pior poderia acontecer? Ganhar três desejos de mão beijada? Pensando assim até que a ideia não era tão ruim...

Mas o que eu deveria pedir? Paz mundial? Não, muito Miss America para mim. Pedir por mais três desejos? Muito cliche! Pedir para ser bonita jovem e magra para sempre? Não, muito obrigada. Pedir para viver eternamente? Muito solitário para o meu gosto. E que tal ficar rica e famosa? Muito Paris Hilton! Além disso, não sou muito fã de paparazzi... Essa decisão era mais difícil do que eu pensava. Eu queria algo que mostrasse minha personalidade ou que eu não sou uma pessoa tão egoísta. Mas que diabos seria isso?

O gênio já estava quase morrendo de tédio e cansaço uma vez que ainda estávamos na praia debaixo de um sol de rachar a cabeça. A única coisa que o coitado falava era:

"Anda logo, criatura! Isso era para ser fácil, sabe? Você pede, eu faço, eu volto para minha lâmpada. Além do mais, você não tá decidindo de qual filho você gosta mais. Escolhe logo uma coisa e pronto! Qual é a dificuldade?"

Aquela pressão toda estava me deixando nervosa. Eu não queria desperdiçar aquela chance. Era uma chance única. Eu só precisava de mais uns minutinhos para me decidir...

Ele estava ficando cada vez mais ansioso para acabar logo com aquilo e começou a me dar sugestões. 

"Que tal uma história de amor bem bonita??

Expliquei para ele que isso eu já tinha. Eu já havia encontrado um grande amor há anos e nós dois éramos felizes desde então. Sim, houveram altos e baixos, mas isso é que faz a gente ver que estamos indo para algum lugar, certo?

"Ok, que tal dar vida eterna a alguém que você gosta?"

Isso me soava um tanto injusto. Eu jamais poderia fazer alguém que realmente amo carregar tamanho fardo. Que droga viver para sempre, vendo todo mundo de quem você gosta morrer, pessoas indo e vindo! Deprimente, não?

"Quem sabe dinheiro, então?"

Essa ideia era ótima, mas eu não queria dinheiro pelo qual eu não tivesse tido que trabalhar. Algumas pessoas precisavam mais disso do que eu. Ele me disse que justiça não fazia parte do negócio dele, então aceitei um pouco de dinheiro. Eu queria começar meu próprio negócio, comprar um apartamento e viajar pelo mundo com a minha família. Depois disso, uma boa ideia para meu segundo desejo me ocorreu: eu pedi a ele por um carregamento vitalício de comida brasileira para onde quer que eu fosse. Ele prontamente me garantiu meu desejo e deixou bem claro o quanto ele estava feliz por eu só ter mais um desejo.

Qual seria o desejo perfeito para fechar? Tantas coisas passaram pela minha cabeça, mas nada me parecia justo. Muitas pessoas envolvidas... O que eu poderia pedir a ele que faria minha vida ser perfeita? Foi aí que me toquei. Minha vida não era perfeita! Mas qual seria a graça se ela fosse? Sorri para ele e disse:

"Meu terceiro desejo é viver minha vida do jeito que for para eu viver: com altos e baixos, com momentos tristes e felizes, sentindo tudo que eu tiver que sentir - tristeza, alegria, orgulho, raiva, amor. Quero o pacote completo. Quero viver uma vida plena e olhar para trás e sentir uma enorme felicidade."

Ele estava nitidamente aliviado que eu havia decidido o que eu queria mas ele me disse que isso tecnicamente não contava como um desejo já que ele não teria que fazer nada. Como eu já estava cansada de tanto tomar decisões, virei para ele e falei:

"Me dá um pôr-do-sol bem bonito e uma carona para casa. E aí estamos quites. Até porque tem um monte de gente para quem eu preciso contar essa história..."

"Você vai mesmo contar para pessoas? Você acha que eles vão acreditar em você?"

"Claro que eles não vão! Eles muito provavelmente vão dizer que eu estou louca e vão rir da minha cara." 

"Então para que contar?"

"Não tem porque, mas eu gosto de dividir. Aliás, acabei de ter uma ideia! Talvez eu escreva sobre isso no meu blog. Isso com certeza daria uma certa credibilidade a minha história, né?"

"E eu lá sei! Só sou um gênio, cara! Quem sou eu para saber?"


domingo, 19 de setembro de 2010

la dolce vita

   Eis o que eu faço quando não estou escrevendo! 

o início: a massa



produto semi-feito: quase lá!
hora de enfeitar: maquiagem culinária
segundos antes de desaparecer

deliciosamente artístico
em seu tamanho original
                                                                      


sábado, 18 de setembro de 2010

recortes pt. 7

Foi então que o engenheiro aproximou-se dos velhos amigos e disse: “Mas você hein, não perde tempo!” e deu aquele tapinha nas costas do músico como de aprovação.
Constrangido e não aprovando aquele comentário ele respondeu: “Do que você está falando?”
“Uma mulher cancela com você e em menos de vinte quatro horas já arruma outra? Isso é realmente impressionante!” Sabia que esse comentário não era verdadeiro, mas estava curioso para ver como seu amigo reagiria.
“Ah! Então quer dizer que você veio afogar as magoas?” A loira perguntou.
“Não, só vim aqui para me distrair um pouco...”
“Ele estava arrasado quando seus planos foram cancelados!” disse o engenheiro
“Pela namorada...?” A loira perguntou de tal modo que parecia que ela torcia pela resposta negativa.
“Não” Ambos os rapazes responderam ao mesmo tempo.
“Não, quer dizer, bem, ela não é minha namorada, é só uma amiga” o músico tentou esclarecer.
“Você estava muito triste para ela ser só sua amiga...” o engenheiro provocou.
“Então se ela é só uma amiga, não terá problema de você me dar uma carona para casa não é mesmo?” A loira perguntou, e a cada pergunta se aproximando um pouco mais.
“Bom, eu já estou de saída, pode ser agora?”
“Pode!” E levantou-se rapidamente e o pegou pelo braço.

Durante a caminhada até seu carro, a loira tinha falado que tinha deixado sua chave com a sua amiga que morava com ela, mas só voltaria mais tarde e perguntou se não seria incômodo esperar por ela em seu apartamento.
Ele olhou para ela e pensou nos comentários que o engenheiro tinha feito durante a noite e finalmente concordou com o pedido. Estavam os dois já bem embriagados quando chegaram em casa e ela já segurando seu sapatos nas mãos praticamente se jogava para cima dele.

Entraram no apartamento e não tinha ninguém em casa. Já estava tarde e talvez por cansaço ou talvez pelo simples fato de estar bêbado, foram até seu quarto e como uma vela que se apaga por um simples vento, a luz que vinha do seu quarto se apagou.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

recortes pt. 6

No outro lado da linha, o músico olhava para o celular que tinha terminado nossa conversa de maneira abrupta e riu. Sabia que eu era péssima em carregar meu celular e sabia que provavelmente a bateria tinha acabado mais uma vez no meio de uma de nossas conversas. Pondo o celular no bolso, foi até seu quarto onde estava o engenheiro.

“Que cara é essa?” disse o engenheiro ao o ver entrar no quarto.
“Ah, meus planos foram cancelados hoje...” respondeu olhando para o chão.
“E desde quando isso é motivo para ficar em casa olhando para o chão? Vamos sair! Barzinho é o que não falta nessa cidade!”
“Ah, acho que é melhor ficar em casa mesmo, amanha tenho que acordar cedo..”
“Então quer dizer que pode voltar tarde do cinema, mas não de um barzinho para casa? É isso que eu estou ouvindo?”
“Ha-Ha, no cinema pelo menos eu não chegaria em casa bêbado!”
“Vamos beber só para relaxar então, não temos nada melhor para fazer mesmo! Vamos, aposto que o resto do pessoal deve estar por lá...”
Hesitou um pouco, sabia que não era uma boa idéia ir, mas se deixou levar pela pressão do engenheiro.

....

O barzinho estava lotado para variar. Quando chegaram lá, logo avistaram um grupo de amigos seus que estudaram com eles na faculdade. A noite estava agradável e uma cerveja gelada era o que faltava para tornar aquele cenário ideal. Assim que sentaram, avistaram uma mesa de mulheres que usavam jalecos brancos. Assim que o músico tinha sentado percebeu que uma delas em particular não parava de o olhar. Achou aquilo estranho, pois nunca tinha a visto antes.
Depois de algumas horas, e algumas várias cervejas, a mulher que o olhava, a loira, se sentou no lugar vazio do lado do músico.
“Você não se lembra de mim, não é? Ela falou se inclinando um pouco perto demais dele.
“E é pra lembrar?” Ele perguntou, tentando se afastar.
“Já fomos casados! Como não se lembra de mim?” Ela riu e ele ficou momentaneamente petrificado em seu lugar esperando uma explicação.
“Sim, acho que estávamos na terceira série, e nós éramos o casal da festa junina do colégio. O padre nos casou e tudo!” Continuou rindo e Ele finalmente parece ter se situado em relação aquela estranha.
“Ah! Nossa! Aquilo foi há mil séculos atrás! Como se lembrou de mim?” Perguntou realmente surpreso.
“Uma mulher nunca esquece seu primeiro marido!”
O engenheiro, presenciando essa conversa toda, percebeu que a loira queria algo mais daquela conversa, enquanto o músico parecia realmente só estar lá pela conversa. Sabia que seu amigo estava triste em relação ao furo da amiga, mas ele (o engenheiro) levava o rancor dela nunca ter ligado para ele e nem mesmo ter mencionado sequer uma vez seu encontro na festa. Sabia também que seria só uma questão de tempo até que eles (a menina e o músico) se entendessem e ficassem juntos. O engenheiro estava decidido a não deixar isso acontecer sem ele ter sua devida chance com ela.

Encabulada (final)

Depois de alguns dias, ela já estava bem melhor. E, de fato, tinha aprendido alguma coisa: o tempo é mesmo o melhor remédio! Mas eis que, na segunda-feira antes do tal concurso, vem a surpresa: a caminho do trabalho, ela recebe uma ligação do dito-cujo, querendo saber se eles poderiam se encontrar no final da tarde. Ela inicialmente ficou sem saber o que dizer, pois esperava que o encontro fosse acontecer só na semana seguinte, mas disse que daria um jeito. A esperança de colocar os pingos nos ‘is’ - de uma vez por todas - a deixou estranhamente animada.

Para o encontro, o rapaz sugeriu a torteria favorita dela, mas ela disse que a praça de alimentação do shopping estava de bom tamanho e era mais perto. Marcaram no shopping, às 19 horas. Sempre pontuais, os dois chegaram quase juntos e ele, tentando criar um clima mais amistoso, foi logo perguntando sobre o dia dela. Ela, curta e grossa e sem um pingo de paciência, disse que não interessava e que era melhor irem direto ao ponto.

Ele então começou a se explicar e disse que queria uma espécie de tempo, que precisava acertar os 'ponteiros', mas que gostava muuuito dela. Aham. Ela imediatamente rejeitou a proposta do 'tempo' e disse que, considerando a situação, era melhor não ficarem juntos mesmo, que cada um deveria seguir com sua vida e que ele poderia ficar tranquilo para ficar com quem ele quisesse.

Confuso (ou se fazendo de confuso), ele disse que não estava entendendo a reação dela e que não tinha ninguém na vida dele. Ela, meio nervosa, riu. O rapaz, percebendo a delicadeza da situação, jurou por tudo que é mais sagrado que não tinha outra pessoa na vida dele e que apesar de gostar muito dela, a viagem tinha ajudado ele a ver as coisas sob outra perspectiva e que ele só estava precisando de um tempo para repensar a vida dele - sozinho. Era só isso.

Querendo por um fim ao encontro, ela disse que não se importava com o que pudesse ter acontecido de verdade e nem com as repensadas da vida dele, mas que ele devia ter sérios problemas por apresentar uma mudança de comportamento tão abrupta sem um motivo decente. Ela concluiu a conversa dizendo que talvez fosse melhor ele ficar sozinho mesmo, e pediu para que nunca mais a procurasse, ligasse ou mandasse mensagem. Era melhor assim. E sem perder tempo ou dar a ele a chance de prolongar o diálogo, ela levantou-se e foi embora, enquanto ele ficou ali - com aquela cara de pastel sentado a mesa.

Era A separação (definitiva!). E a verdade era que ela não fazia questão de trocar o adjetivo dessa vez - pois sabia que isso poderia machucá-la ainda mais. Mas não era verdade que ela não se importava com a verdadeira causa de toda a mudança. "Será que ele estava dizendo a verdade? Será que não tem mais ninguém? Será que ele nunca mais vai me procurar mesmo?" - eram pensamentos que insistiam em permanecer na sua cabeça; e ela ficou encabulada pensando nisso por um bom tempo, mas confiando que o melhor remédio (o tempo) logo logo faria efeito...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Encabulada (continuação)

Na última ligação, ele disse que estava pensando sobre o namoro e que talvez aquilo não fosse dar certo - que talvez tivesse se precipitado demais. Disse ainda que estava sentido falta da tal “paixão avassaladora” e que isso era fundamental para o sucesso de qualquer relação. Apesar da inexperiência em relacionamentos, ela já tinha uma idéia do que ele realmente estava querendo dizer. E como sempre foi objetiva na vida, disse:

- Você quer terminar? É isso? Tudo bem. Mas você começou esse namoro olhando na minha cara então o mínimo que você pode fazer é terminar ele aqui, na minha frente e olhando nos meus olhos.

O rapaz então disse que poderia ter se expressado mal, que não era bem isso que ele queria dizer, mas que de qualquer forma eles precisavam conversar e que isso seria feito assim que ele retornasse de viagem. Ok. Acrescentou ainda que os pais o buscariam no aeroporto e que ele ligaria para marcar um encontro – mas só depois que fizesse a prova do concurso que quase todo mundo em Brasília ia fazer, ou seja: uma semana depois de voltar de viagem. Muito bom!

Quando aquela esquisita ligação terminou, a professora só conseguia pensar em uma coisa: doença – é isso! Ele deve ter sérios problemas psicológicos e precisa urgentemente de tratamento. E agora parecia que ela também precisava de alguma coisa – estava possessa! “Como pode, eu estava quietinha, Senhor. Esse infeliz entra na minha vida e depois faz uma coisa dessas... sem nenhuma explicação decente e do nada”.

Ela tinha esperado tanto tempo pela pessoa ‘certa’ e em pouco tempo descobriu que a sua super aposta, que tinha tudo pra ser um sucesso no começo considerando tamanha dedicação do rapaz, foi a maior furada da sua vida. “Que ódio” – ela repetia sem se dar conta. E então, depois que a raiva e o ódio passaram, ela chorou. Chorou porque estava se achando uma idiota de ter confiado tão rápido em alguém que ela mal conhecia. Chorou porque já estava sentindo falta das ligações e mensagens e encontros e beijos. Chorou porque não conseguia entender o que tinha feito de errado...

Então, ela se deu conta que, naquele momento, precisava mesmo era de alguém para confortá-la. Imediatamente ligou para sua melhor amiga que ao saber do ocorrido, sem nem pestanejar, disse:

- Ele tem outra. Certeza. Essas coisas não acontecem assim. Com certeza ele saiu lá, encontrou alguém e está se achando. Pode até não ter ficado com ela nem nada, mas com certeza ficou balançado e estava carente... Vocês estavam namorando há o quê? 5 meses, né?

- Isso, quase 5 meses – disse a professora ainda inconsolada.

- E era só beijos e abraços, né?!

- Claro, você sabe que eu quero casar antes de qualquer coisa.

- Então você já sabe o que deve ser o sinônimo de paixão avassaladora, né? Mas é isso, bola pra frente. Tudo acontecesse por uma razão, às vezes é pra te mostrar que não existe pessoa perfeita... e que muita água vai passar debaixo da ponte ainda... E no fim é bom acontecer essas coisas, a gente sempre aprende alguma coisa... Ânimo, amiga, tem muita gente nesse mundo!!!

Mas a nova solteira só conseguia pensar na repentina mudança de comportamento do rapaz. Dentro dela algo dizia que tinha relação com outra pessoa, só que ela não queria acreditar. Depois que sua amiga pronunciou aquelas palavras foi como se o pensamento tivesse se transformado em realidade. E doeu mais ainda.

Quanto a paixão avassaladora, ela não sabia muito o que dizer – não tinha conhecimento de causa. O que ela sabia era que paixão é um tipo de sentimento muito instável e que não dá pra construir nada sólido tendo ela como base. Só o amor pode ser essa base. E provavelmente não fosse esse o caso.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Encabulada

“Namora comigo? Eu posso te fazer muito feliz – só preciso de uma chance”.

Não foi a primeira vez que a professora ouviu um pedido desse tipo – mas foi a primeira vez que ela se sentiu inclinada a aceitar. E o motivo não tinha nada a ver com amor, paixão ou qualquer coisa parecida. Aquela inclinação era resultado das várias investidas do rapaz. “Tanta persistência assim deve significar alguma coisa, talvez seja desígnio divino” – pensou ela.

Assim, aos 23 anos, ela finalmente decidiu aceitar um pedido de namoro. Sim, aos 23 anos! Ela já estava formada, tinha um bom emprego, já havia viajado para vários lugares e estava começando a sentir falta de algo que nem ela sabia explicar direito. Um namorado, ou melhor, um companheiro poderia ser esse algo. E o rapaz em questão, que insistia em agradá-la de todas as formas, poderia ser esse alguém. Afinal, eles compartilhavam crenças, tinham gostos parecidos e estavam dispostos a investir em uma relação – então, por que não?

Começaram a namorar. E a professora, tão acostumada com sua independência, se viu obrigada a abrir caminho para algumas mudanças no seu dia-a-dia. Eram mensagens e telefonemas e almoços e cinemas e jantares mais que freqüentes. Aos poucos, ela – que inicialmente demonstrava certa frieza, fruto da sua inexperiência – foi se soltando e viu que sabia ser carinhosa. Percebeu que estava gostando tanto da nova experiência quanto do persistente rapaz.

Os dois estavam juntos a pouco menos de um mês e tiveram a primeira separação (provisória!). Ela fez uma viagem ao exterior, e diferente do que estava acostumada, teve que ligar para a cidade natal com bastante frequência. No começo ela se esquecia ou até mesmo estranhava ter que dar satisfação dos seus dias de férias. Mas depois, apegou-se ao ritual e inclusive tinha a necessidade de partilhar as novidades. Ao voltar de viagem, foi apresentada para a família dele e sentiu que aquilo realmente poderia dar certo. Seria o primeiro namorado, seu futuro marido? Era aquilo que estava reservado para ela? Parecia que sim. E ela acreditava.

Três meses depois, aconteceu a segunda separação (provisória!) – era a vez dele viajar. O rapaz ia visitar uns parentes na cidade que nunca dorme e dizia já estar com saudades antes mesmo de embarcar. Prometeu ligar para a namorada todos os 22 dias da viagem – e foi assim nas 2 semanas que se seguiram. Mas depois de um domingo, ele só voltou a dar notícias para ela na quarta-feira. A namorada inclusive já estava morta de preocupação, achando que algo grave pudesse ter acontecido. Mas, aparentemente, não era nada demais – ele tinha passado por uns contratempos. E esses contratempos, aparentemente, devem ter sido bem grandes mesmo, pois o rapaz ligou apenas duas vezes depois....

domingo, 12 de setembro de 2010

recortes pt. 5

Já se fazia dois meses que tínhamos nossas aulinhas de violão semanais e por mais que estava ficando impossível conciliar meus estudos da universidade com a música noturna, eu estava me divertindo demais para poder parar. Além das "aulas" duas vezes por semana, tínhamos nossos almoços semanais também. Toda quarta-feira ele me encontrava na universidade e almoçava comigo no RU. Era engraçado o ver todo arrumado enquanto ninguém mais no refeitório usava uma gravata. (Sim, o músico, durante o dia era concursado!) Ele rapidamente fez amizades com os meus amigos e quando não dava para ele me encontrar para almoçar todos reclamavam de sua ausência.


Além dos nossos almoços e conversas, mandávamos e-mails com piadas ou reportagens interessantes e eu até tinha o convencido a me acompanhar a varias exposições de arte e cinema, atividades que nunca teria feito se não fosse meus empurrõezinhos estratégicos, mas sempre bem intencionados. Ultimamente estávamos passando muito tempo juntos. Sempre nos falávamos por telefone e aqueles encontros semanais rapidamente viraram encontros diários. Acho que grande parte da nossa afinidade vinha do fato de sermos tão diferentes um do outro, e foram exatamente essas diferenças que nos aproximava.

Um dia que tínhamos planejado ir ver uma mostra de filmes em francês no CCBB, mas eu tinha uma prova no dia seguinte e devido a falta de tempo, não tinha estudado a matéria ainda.

O músico me ligou com a maior empolgação do mundo para confirmar nosso cinema: “Não acredito que estou animado de verdade para ir ver um filme em francês! Só você mesmo para me fazer ver uma coisa dessas!” Ele falou rindo.

“Ah, sobre isso, por favor não me odeie! Tenho prova amanhã, e não vai dar para ir!” Falei essas palavras com o coração carregado, maldita prova, realmente queria ir!

“Ah, mas você é inteligente, não precisa estudar! Te busco em casa às 7 da noite!”

Percebi que tentava me elogiar para conseguir o que queria. “Ah, claro! Se sou tão inteligente assim então para que ir a universidade? Já sei o suficiente e portanto vou parar de ir e um emprego vai automaticamente cair do céu!” Respondi com o mesmo tom brincalhão dele.

“Esse é o espírito da coisa! E de qualquer forma, você vai sempre ter esse seu músico aqui para te sustentar!” Ele falou isso, provavelmente brincando sem perceber o efeito que essas palavras tinham sobre mim, e houve uma pausa um pouco maior que se esperava da minha parte.

“Está aí ainda?” Ele perguntou.

“Sim, desculpe, um brinco meu tinha caído aqui no chão...”

“Ah, ta...”

Sabia que ele não tinha acreditado muito em mim.

Esse era o problema da nossa amizade, ao mesmo tempo em que ambos queríamos mais alguma coisa, nenhum de nós era capaz de dar o primeiro passo. Não sei o que o impedia, mas da minha parte com certeza era medo de ser rejeitada e perder o que tínhamos.

“Olha, prometo que saímos amanha sem falta! Te deixo até me levar para um barzinho, que tal? Eu realmente preciso estudar!”

“Não, tudo bem, a gente se fala mais tarde ou amanha então...” Percebi que ele não estava muito feliz com minha mudança de planos.

“Pode ir sem mim para o cinema, aproveita e leva um dos seus amigos e apresente a eles o maravilhoso mundo do cinema europeu!” Ele não se convenceu muito, mas percebeu que a prova devia ser importante para eu perder um cinema, um dos meus programas favoritos e me deixou ir.

"Ah, claro! Vou chamar o engenheiro para ir lá ver comigo então, aposto que estava morrendo de vontade de ir mesmo!"

Senti-me um pouco mais aliviada vendo que ele já estava fazendo piadinhas e como meu celular estava com a bateria fraca, ele acabou a nossa conversa por nós. Foi melhor assim, eu realmente precisava estudar. Peguei meus livros e fui até a biblioteca e percebi que a noite seria longa.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ah, se soubesse...

Ah, se eu soubesse...

como emagrecer dormindo
como ficar milionária sem fazer esforço
como criar um avatar para malhar e para corrigir redação por mim
como me livrar de gente incoveniente para sempre
como trocar o pneu do carro
como achar tudo que eu perdi
como cozinhar decentemente
como derrotar a preguiça
como resistir a tentação do bombom nosso de cada dia e da pipoca
como saber quem vale a pena e quem não vale
como ter coragem sem ter medo
como lidar com meu próprio humor
como fazer as perguntas certas
como encontrar a plenitude
como não querer matar algumas pessoas
como dar conta da minha vida sem me afogar
como voltar para borda da piscina
como botar um basta nas histórias mal resolvidas
 

Ah, se eu soubesse tudo isso...
Se eu soubesse todas as respostas...
O mundo não teria a menor graça!
Aí eu ia reclamar do que?
Eu ia aprender o que?

Lara - sabendo que não sabe de nada

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nadar.

Sempre fui apaixonada por água e durante muito tempo sonhei em ter uma piscina em casa. Daí, aos 8 anos, quando a minha mãe resolveu me colocar na aula de natação (diferente do que aconteceu quando ela tentou me colocar na de ginástica olímpica), eu não hesitei.

Adorava a piscina da academia, os saltos de ponta, a virada olímpica, os óculos de natação, os mergulhos, os espaguetes coloridos e as apostas pra ver quem tinha mais fôlego. Adorava estar debaixo d'água.

Nadei por muitos anos, mudei de piscinas várias vezes e finalmente comecei a treinar de segunda a sexta para competições. Mas a grande questão era: eu não gostava de competir! E ninguém entendia como era possível que nas aulas os meus tempos fossem tão bons e na hora do ‘vamos ver’ um verdadeiro fiasco.

Mesmo assim, eu ganhei 3 medalhas – e também certa aversão a piscinas. Treinando tão frequentemente, aquele cheiro de cloro começou a me enjoar, a preocupação com o meu cabelo foi aumentando e o prazer em estar na água desapareceu com a pressão para diminuir os tempos e apresentar melhores resultados.

Um belo dia, eu perdi a paciência e decidi nunca mais voltar ao SESC. E pra falar a verdade, me senti aliviada. Eu não queria ser nadadora mesmo, então pra quê tudo aquilo? Decidi também que eu talvez não gostasse tanto assim de nadar e passei a me contentar em basicamente olhar a água – fosse um lago, rio, cachoeira, mar ou mesmo uma fonte. Isso já me fazia - e ainda faz - muito bem.

Mas nesse feriado, eu senti uma vontade enorme de nadar, que nem sei bem de onde veio. E eu nadei. E posso dizer que foi a melhor coisa que eu fiz em muito tempo. Mergulhar e dar aquelas braçadas me fez lembrar de coisas que eu vivi e de prazeres que antes eu não abria mão - e que tinham se perdido em algum lugar dentro de mim...

Engraçado como a gente consegue se perder desse jeito e se esquecer de coisas que costumavam fazer a gente se sentir tão bem. Muitas vezes é porque a gente acha outras coisas mais interessantes ou simplesmente porque mudamos mesmo... mas parece que tem partes da gente que ficam escondidas, esperando o momento de serem encontradas e fazerem sentido novamente. 

Rosana - procurando o caminho de volta. 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

recortes pt. 4

Antes de começar a “aula”, a mãe do engenheiro disse para o músico que eu lembrava muito a amiga imaginária de seu filho - os dois me olharam com uma cara estranha e tirei o chapéu xadrez da cabeça e o coloquei em cima da mesa. Não entendi o que ela queria dizer com isso, então sorri mais uma vez

Já quase no final da nossa aula, vi a porta da frente abrir e entrar um rapaz de aproximadamente a mesma idade que o músico e assim que esse estranho me viu ficou surpreso. Fiquei olhando para ele um bom tempo porque me parecia muito familiar, mas não consigui me lembrar de onde o conheçia e muito menos interpretar aquela expressão de surpresa em sua cara. O engenheiro então se aproximiu de nós e o músico nos apresentou na maior inocência. Achei estranho todo aquele olhar sobre mim, mas descartei o caso, estava muito feliz para pensar em qualquer outra coisa.


Às onze da noite meu pai me ligou e perguntou onde estava e se planejava voltar para casa alguma hora. Entendi isso como uma maneira indireta dele dizer que já estava na hora de voltar, infelizmente. Como morávamos bem perto um do outro, o músico caminhou comigo até meu bloco, pois seu carro estava na oficina.  Quando chegamos na minha portaria surgiu aquele silêncio inevitável. Pensei rapidamente em algo interessante para falar, mas é ele quem fala. “Sabe, você realmente parece com a descrição que meu amigo fez de uma garota que ele conheceu em uma festa.” Não sabendo o que responder, falo: “É mesmo?”.

Ele pausa e responde: “Sim, mas ele deve ter inventado essa historia toda de menina da festa porque ele nunca dá seu telefone para ninguém e muito menos bebe refrigerante em festa open-bar!” Se eu pudesse ver meu rosto nesse exato momento, tenho certeza que me veria empalidecer. Então era da festa que eu conhecia seu amigo. Tudo fazia mais sentido agora! Era por isso que o engenheiro, ao me ver sentada na sua sala de estar tivera aquele olhar de espanto. E eu nunca liguei para ele, pensei!

Meu elevador tinha chegado e acho que ouvi o músico se despedir de mim e falar que me veria na quarta, mas não prestei muita atenção. Aliviada de estar sozinha, decidi não pensar demais no caso e ver o que aconteceria na quarta. Afinal de contas, não iria me acrescentar em nada me preocupar com isso antecipadamente.

Hoje ele faria 91 anos...

Multifacetado. Essa é a melhor palavra para descrever meu avô. Ele foi um marido folgado e machista, um pai durão e autoritário, um compadre bem-humorado e prestativo, um vizinho simpático e um avô sensacional. Era um homem metódico: sentava sempre no mesmo lugar, só comia em prato fundo, tinha uma rotina rígida e dependia dos serviços que minha vó incessantemente lhe prestava.
             
Nunca tive a impressão de que ele era muito carinhoso, nem com os netos, nem com os filhos. Mas talvez eu tenha pensado assim porque eu era neta número cinco. Quando eu nasci, ser avô não era novidade. Não tinha mais aquela excitação. Era o caminho da vida, algo que era para acontecer e do qual ele já era testemunha há algum tempo. O interessante, no entanto, é que ele nunca deixou sua criatividade e sua satisfação em nos ver de lado.
             
Eu ia muito a casa dele e era sempre a mesma coisa. Eu chegava e sabia que ou ele estaria sentado na garagem vendo o movimento da rua ou estaria na sala vendo TV. Era minha obrigação ir até ele e pedir a benção. Eu detestava esse hábito ultrapassado e sempre dizia a ele que um dia eu teria netos e que eles nunca teriam que me pedir a benção. Um beijo me bastaria. Ele enchia os pulmões e ria da minha cara, dizendo que era uma questão de educação e respeito.
             
Pior do que esse costume era ter que fazer favores para ele. Eu sempre fui muito preguiçosa e adepta à lei do menor esforço. Odiava fazer favores. Só que os que ele pedia não eram bem favores. Eram mais ordens. Não tínhamos escolha. Ele pedia para buscarmos um par de meias e calçar nos pés dele e terminar o serviço deixando seus chinelos perto do descanso de pés. Eu queria me matar quando ele queria que eu fizesse essas coisas. Eu tinha nojo! Ia reclamando até o quarto dele, de cara fechada e com muita má vontade. E ele ainda ficava reclamando por causa da demora. Eu gritava lá de longe que meus netos não iam ter que fazer isso por mim e que ele não me fazia favores. Ele retrucava que era por isso que ele era o avô e eu, a neta.
             
Porém, havia também coisas das quais eu gostava e que fazia com um sorriso enorme de satisfação no rosto. Fazia parte do nosso repertório de atividades ir até a pastelaria buscar uns pastéis para a hora lanche, ir até a banca comprar picolé de limão (não tinha escolha porque ele gostava desse) e ir até uma espécie de restaurante buscar frango assado. No caminho, meu avô ia me contando histórias de aventuras que ele viveu, de moças bonitas que ele conheceu, de coisas que ele viu. Os detalhes já não guardo mais na memória. O que ele falava não me importava muito. Eu nem sei se eu realmente podia acreditar... Para mim, o legal era sair com ele. Era rir da brincadeira mais boba que ele fazia quase todo dia:
            – Eu não sei falar “girafa”. Eu só sei falar “gifara”.
            – Aí, vó. Acabou de falar!
            – Falar o que? Girafa? Eu não! Eu só sei falar “gifara”.
             
Nossa! Como eu me divertia com esse diálogo! Acho que não teve uma vez que eu o encontrei que ele não falou isso para mim. Às vezes, ele trocava a palavra, mas minha preferida mesmo a “girafa”. Não tinha jeito.
          
Outra coisa que eu adorava no meu avô era sentar no colo dele e ouvir o som do seu relógio de bolso. Para mim, era algo impressionante. Não me lembro a primeira vez que fiz isso, mas me recordo perfeitamente da fila que eu e meus primos formávamos, na ordem em que nascemos, para ouvir aquele sonzinho mágico. A ansiedade era tanta que até brigávamos quando tínhamos a impressão que um tinha ouvido mais o relógio do que outro. Ironicamente, durante aqueles poucos segundos em que nossos ouvidos quase engoliam aquele mecanismo cansado pelo tempo parecia que o mundo tinha parado. Nada mais importava. Éramos só nós, o colo do vô, o tic-tac e o silêncio.
           
Eu não via defeitos nele. Nenhum. Eu gostava demais dele para isso. Só tinha uma estória que me fazia odiá-lo infinitamente. Quando minha mãe era pequena, ela ganhou uma bola. Era linda, colorida e muito bem cuidada. Um dia, meus tios resolveram que queriam brincar com ela, mas minha mãe não queria emprestar porque sabia que seu brinquedo querido receberia muitos chutes que o deixariam deformado. Ela tinha acabado de lavar a bola e não queria estragá-la. Meu tio mais novo, não concordando com a decisão da minha mãe, queria tomar a bola dela. Começaram a brigar. Meu avô ouviu a confusão e resolveu terminar com aquilo de maneira definitiva. Buscou uma faca, fez minha mãe segurar a bola e a cortou no meio. Esse episódio, que ouvi várias vezes da boca dos envolvidos, me causava verdadeiro horror. Eu achava injusto, estúpido. Não tinha motivo para tamanho exagero. E a verdade é que o tempo passou e fez desse dia mais uma história de família, mas eu nunca consegui perdoar meu avô por isso. Nunca!
             
Os anos foram passando e meu avô, envelhecendo. A vida foi cruel com ele. Fez do senhor da casa um homem que necessitava de cuidados constantes. Ele foi degradando, perdendo a memória, os movimentos das pernas, sua autoridade, sua majestade. O homem alto e imponente que era deu lugar a outro miúdo, magro, curvado. Durante dez longos e sofridos anos, vimos o patriarca da família sendo destruído pelo Alzheimer. Nós vimos nosso avô querido desvanecer, sem acompanhar nosso crescimento. Ele estava lá, mas não sabia mais quem éramos. Os netos deles eram crianças barulhentas que brincavam pela casa, não aqueles projetos de adultos que iam visitá-lo. 
             
A situação foi se agravando a cada dia. Sabíamos que não podíamos fazer nada. Ele estava nos escapando e, a nós, só cabia lamentar. Ele foi ficando muito fraco. Engasgava facilmente, pois o esôfago não tinha mais força. Seu corpo inteiro precisava de um descanso. Minha mãe internou-o em um bom hospital, onde ele ficou quinze dias. Não tive coragem de visitá-lo. Não queria ver o avô que tanto amei ligado a aparelhos, cheio de tubos e fios por todo lado. Aquele já não era mais ele.
             
A família toda sabia que o tempo dele estava se esgotando, mas ninguém se prepara para perder alguém que ama.     Dia 3 de março de 2004, dias antes de começar meu primeiro semestre na UnB, o telefone da minha casa tocou. Era de madrugada. Eu já sabia o que era. Depois de tanto tempo, ele finalmente tinha se rendido. Era mesmo a hora dele.
             
Minha mãe saiu correndo para buscar um terno para ele. Muitas providências tinham que ser tomadas: enterro, velório, todas as pessoas tinham que ser avisadas. Eu só chorei. Mais nada. Nunca tinha ido a um enterro ou visto um morto tão de perto. Tive medo de chegar perto do caixão, mas quando criei coragem, fiquei feliz de ver que ele tinha um ar sereno no rosto. Não tinha mais a aparência que a doença tinha lhe dado. Parecia meu avô da minha infância, aquele que brincava comigo.
             
Na hora de levarmos o caixão até a cova, o tempo não ajudou. Uma tempestade caiu. Era como se até o dia se entristecesse com a perda dele. Ele foi enterrado na ala dos pioneiros, embaixo de dois pés de manga. Tudo como ele queria. Foi angustiante ver aquele caixão fechado descer dentro daquele buraco, a terra encharcada sendo jogada por cima, as flores fechando o ritual. Aquele era mesmo o fim. Agora, iríamos ter que aprender a viver com ele só nas mais deliciosas memórias de criança.