domingo, 4 de julho de 2010

Encontros e (des)encontros

Há alguns anos, descobri que eu tinha um dom. Não foi da noite para o dia que abri meus olhos para isso. Demorou muito tempo para eu enxergar que existia uma coisa que eu fazia bem.

Tudo começou com uma professora que me achava acima da média. Ela me perguntou se eu tinha morado fora quando eu era pequena porque minha habilidade para falar Inglês era "acima da média". No auge dos meus 14 anos, respondi que não e não dei a menor importância para opinião dela. Para mim, era puro puxa-saquismo. Mas o tempo foi passando, e eu fui me aprimorando. O inglês vinha fácil para mim. A gente se entendia, se completava.

Resolvi tomar coragem e fazer dele minha profissão. Passei no vestibular sem grandes esforços, mas não só por mérito meu. É que estudar Letras é sonho de poucos, né? Não tem mais o prestígio que tinha antigamente. Então, a concorrência é menor.

Desde o início do curso, eu sabia que havia feito a escolha certa. Aquilo era mesmo o que eu queria estudar. Literatura sempre foi minha paixão, a Gramática me fascinava, a Linguística me divertia. Letras-Inglês era mesmo para mim. Não era o curso da moda e nem o mais valorizado, mas isso nunca me importou. Estudar Letras é para poucos e eu era a nata do curso.

Do mesmo jeito que eu me apaixonei pela língua, me apaixonei pela ideia de poder ensiná-la aos outros. Ser professora era um sonho. Quanta honra existe em moldar uma mente, em ensinar alguém? Era isso que eu iria fazer da vida. Aos 18 anos, eu já tinha certeza disso. Sabia que jamais ficaria rica assim, mas achava que a beleza da profissão me bastaria. Engano meu!

Nos anos que se seguiram, não vivi uma relação pacata com minha profissão. Trabalhei em escolas que me fizeram enxergar a feiúra do comércio da educação. Vi que os príncipios nos quais sempre me paltei não exitiam diante do negócio, dos clientes, das vendas; educação passou a ser produto e aluno, comprador. Não demorou muito e me desencantei. Eu era impotente diante da magnitude daquilo tudo. Ou me conformava ou desistia. Larguei tudo. Desisti de ser professora, me dediquei à academia, formei e fui passar uma temporada fora, conhecer gente nova, aprender a ver o mundo sem tanta amargura.

Voltei para casa mudada, mais madura e mais vivida e senti que era hora de tomar rumo na vida. Como todo brasiliense, fui estudar para concurso. Mas a vida quis que fosse diferente. Uma oportunidade única apareceu e eu não pude recusar. Voltei a dar aula. Comecei a me sentir viva de novo porque eu fazia a diferença. Todo dia eu tinha a oportunidade de fazer alguma coisa pelos meus alunos. Era finalmente o que eu queria.

Mas depois da calmaria, vem a turbulência. Mais uma vez me vi pressionada a largar meu emprego. O dinheiro era pouco e o trabalho era muito. Tive que aproveitar enquanto moro com meus pais para me dar ao luxo de ficar sem trabalhar. Concursos novamente! Ai, que tédio! Que vida mais ou menos!

Não aguentei muito tempo minha rotina de concurseira e mais uma vez me reencontrei com o passado. Surgiu a oportunidade de voltar para meu emprego antigo e não pestanejei. Eu estava com saudade da escola, sabe? Saudade de ter uma profissão, um ofício de verdade.

Não pestanejei em aceitar o emprego, mas questionei se estava fazendo a coisa certa. Ser professor não é fácil porque implica muitos sacrifícios. É sempre um investimento a longo prazo. É trabalho duro diariamente, é levar preocupação para casa todo santo dia, é pensar nos alunos mais que em si mesmo. Será que eu queria isso mesmo?

Certeza eu não tinha, mas fui trabalhar mesmo assim. Estava disposta a dar o meu melhor para ver onde tudo ia dar. Para minha satisfação, não demorou muito para aparecer ex-alunos felizes de me ver de volta. Todos me encheram de abraços e deixaram claro que estavam contentes de me ver de volta. Pediram para eu dar aula para eles de novo. Logo eu que exigi tanto deles, que fui tão dura! Não existe alegria maior que essa, recompensa mais doce do que ver o fruto do trabalho bem feito diante dos próprios olhos.

Tive certeza. Fiz a coisa certa. Não posso virar as costas para meu dom, não é mesmo? Sei que não vou ficar milionária dando aula, mas serei incrivelmente feliz fazendo o que eu gosto e sei fazer. Levantarei todo dia e farei a diferença na vida de alguém. Contribuirei para sociedade. Quantas pessoas têm a oportunidade de dizerem que fazem o mesmo? Sou uma privilegiada!

E outro dia, quando eu estava na fila do cinema, uma senhora muito interessante puxou papo comigo. Conversamos mais de meia hora sobre educação e ensino. Uma professora aposentada e eu, engajadas em um diálogo fascinante sobre o papel do professor na sociedade. Um encontro casual eu tenho certeza de que não foi. Isso não existe! Foi um encontro certo, na hora certa, de duas pessoas que tinham que se conhecer. Foi uma conversa breve, mas que me marcou. Eu precisava ver que ainda existem pessoas que acreditam nas mesmas coisas que eu, que me dão coragem para não disistir e ela estava ali para isso. Como eu gosto de pensar, é o jeito que a vida acha de nos mostrar que estamos no caminho certo.

O que aprendi com isso tudo? QUe tenho que confessar que já cometi muitos erros na vida, mas estudar Inglês está longe de ser um deles. Tenho um dom e é meu dever abraçá-lo, dedicar-me a ele, usá-lo para gerar frutos. O preço que pago por isso é minúsculo diante da grandeza e da beleza da profissão que escolhi. E é nisso que tenho que pensar sempre para que eu tenha forças para jamais desistir da educação.

Lara - professora e educadora

PS: Para inspirar...



3 comentários:

Rosana Araújo disse...

Que texto, hein?!

Fico muuuito feliz por vc ter finalmente se 'encontrado'. Sempre achei que vc devia dar aulas, seu dom pra coisa é indiscutivel!

Lara disse...

Rô, muito obrigada pelos elogios!
É muito bom saber que as Queridonas estão ao meu lado sempre e que vcs acreditam em mim!

Shimabuko disse...

Well, what can I say? I am one of your ex-students who are happy to have you back! And I always said that to you and I'll keep saying. You make a big difference in my life! You deffinetely are a teacher that I'll never forget!