quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Vida de cão

Todo mundo reclama da vida. Não importa quão positivos (ou até mesmo Pollyanas) sejamos. Em algum momento vamos nos sentir frustrados, incomodados, revoltados, decepcionados e vamos reclamar. Seja via Twitter, blog, Gtalk ou até mesmo por meio da fala (Incrível como a nossa comunicação mudou, né?), o fato é que vamos choramingar. E o que há de errado nisso?

Reclamar faz parte da natureza humana, não? Bom, da minha faz! E eu sou humana, então... O que eu quero dizer é que se não é normal, pelo menos é comum chorar pitangas. E sempre vai ter alguém para concordar com a gente. Já percebeu? Sempre tem alguém que também detesta segundas-feiras ou que também está de dieta. Ou alguém que quer matar todo mundo no trânsito ou chutar o balde e mudar para Lua. Sempre tem um para reclamar da NET, das operadoras de celular, dos restaurantes, dos filmes ruins, de tudo. E se você parar para pensar nisso, vai ver que nossa miséria procura companhia. Quando você não aguenta mais a academia, você liga para aquela amiga que está na mesma que você só para ver que você não está sozinho. Ou quando você trava uma batalha telemártica de horas com a atendente de algum SAC, você se vangloria para aquele colega que também se orgulha de fazer o mesmo. Vai dizer que não? É sempre assim!

Mas aí vem aqueles dias piores em que você constata que está vivendo uma vida de cão: seu salário não dá para nada, você está acima do peso, suas roupas ficam horrorosas em você, seus amigos têm vida social e você não, você não é bem-sucedido como achou que seria, seu cabelo está de mal de você, a falta de chuva está acabando com sua pele, tudo está errado. Aí, meu amigo, nem chocolate na causa, né? Bate mesmo aquela depressão do cão e nada te tira do fundo do poço. Muito pelo contrário! Sempre vai ter alguém para te puxar mais para baixo...

Contra isso, ainda não achei remédio. Acho que ninguém achou, né? Parece que o tempo melhora as coisas e vem sempre um outro dia, um seriado novo, uma pessoa nova, uma comida ou um gesto de carinho de alguém para te levantar e te empurrar de volta para o mundo real e para sua vidinha de cão. E aí me pergunto: isso é mesmo vida de cão? Ô expressãozinha mais mal empregada, viu?

Tem muito cachorro por aí sofrendo, mas aqui em casa, vida de cão é vida de rei. É cama, comida e coçadinha na barriga! Não tem preocupação, nem trabalho, nem stress. E quando faz alguma coisa errada, é só fazer uma carinha de coitado que já está tudo bem. Todo mundo se derrete... Cachorro sim sabe apreciar a vida! Eles ficam felizes com pouco e sabem dar valor às pessoas certas. Nunca se decepcionam. Balançam o rabinho para o dono amigo e sabem que nada vale mais que um buraco bem cavado, um pratinho de água fresca e uma caixa de brinquedo. Eles não julgam como nós. Perdoam e sabem se entregar de corpo e alma. Sabem ser amigos de verdade, sem pedir nada em troca.

E isso é vida de cão? Se é, é essa vida que eu quero para mim! Quero uma vida mais amena, mais simples e mais verdadeira. Quando tudo estiver ruim, vou deitar no sofá e tirar um cochilinho no colo de alguém até tudo passar. Quando eu tiver ânimo, vou correr pelo jardim loucamente até minha língua não caber mais dentro da boca. Depois vou encher de beijos aqueles que gostam de mim e pedir um pouco de carinho. Se encontrar quem não me interessa por aí, mostro meus dentes e sigo meu caminho. Não guardo máguas e nem ressentimentos. Não me policio e faço o que quero. Se eu errar, peço desculpa do jeito mais charmoso que eu puder e deixo isso para lá. Viver que nem cachorro é viver intensamente. Cada minuto como se fosse o último. Da maneira mais honesta possível. Como a vida devia ser vivida. Talvez algumas das grandes lições que temos que aprender estejam bem debaixo de nossos narizes, latindo para gente. Já pensou nisso?

domingo, 26 de setembro de 2010

palavreando

O que vale mais - gestos ou palavras?

Por mais que nós sonhamos que aquele gatinho do carro branco ligue pra gente quando disse que ia ligar, por mais que rezamos que ele queira, nem que seja só uma vezinha sequer, nos fazer uma surpresa, se lembrar de algo que dissemos, por mais que ele se dobre em quatro, faça tudo que a gente sempre desejou ainda vai ficar faltando algo - aquela verbalizaçãozinha que nem importa mais depois dele praticamente te dar um continente inteiro. Sim, ainda assim vamos querer uma afirmação verbal do quanto somos importante, bonitas, inteligentes.

Não me limito em dizer que isso se restringe ao amor. Todo mundo quer uma verbalização positiva a seu respeito. Você estudou (claro, depois de deixar tudo para o último minuto, depois de enrolar o final de semana todo, depois de curtir o namoro, depois de ir ao cinema ver aquele filme que você nem fazia tanta questão) e foi bem na prova! Vai dizer que não é bom escutar um: "nossa, você é f*da, hein!?"

Eu sei, eu também sou assim. É por isso que eu acredito que palavras falam mais que gestos, que palavras são verdadeiros orgasmos para os nossos ouvidos. Afrodisíaco mesmo é saber que alguém disse algo bom a nosso respeito, sobre o nosso novo corte de cabelo, sobre nosso emprego, curso, artigo! Então termino o post reforçando: rapazes, amigos, digam tudo o que sentem por nós, ressaltem os pontos positivos, assim, assim....isso!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Com que freqüência você lê?

De verdade. E eu não estou falando das placas e propagandas espalhadas pela cidade e nem das notícias em destaque dos jornais e sites. Muito menos das legendas na TV. Eu digo: livros, literatura! E eu ainda vou mais além, quero saber os livros que você lê por puro prazer - nada daquelas (talvez traumatizantes) obrigações escolares. Quero saber qual foi a última vez que você abriu um livro por curiosidade e ao ler a história pensou “El@ adivinhou o que eu queria dizer” ou “Que fantástico!”?

É triste pensar que esse tipo de situação ainda é relativamente ‘rara’ no nosso cotidiano. A literatura tem sido deixada em segundo plano por muitos ou mesmo esquecida em alguma parte daquela lista gigante de afazeres. Afinal, ‘eu posso viver sem ter lido esse ou aquele livro’, e ‘leitura demanda tempo’ - a vida anda tão corrida - ‘depois eu vejo o filme’. Ou a melhor: isso é coisa de intelectual, eu tenho que trabalhar! Não era pra ser assim. Quando foi que a literatura passou a viver em outro plano? Longe do nosso dia-a-dia?

Na verdade, a atual relação com a literatura chega a ser paradoxal. Todos nós sabemos a importância da leitura, sabemos que ela ajuda a desenvolver habilidades de escrita, adquirir vocabulário, trabalhar o imaginário e fantasia (e quem sabe transformar a realidade) e mais uma série de coisas. Literatura nos ensina a pensar e crescer e descobrir! A gente sabe disso. No entanto, é apenas mais um discurso que permanece no mundo das idéias. E ainda é possível ouvir que ‘com meus filhos vai ser diferente’. Agora eu me pergunto: como isso vai ser possível? Como esperar da futura geração se estamos apenas perpetuando velhos hábitos?

Hábito. Acredito que literatura é, acima de tudo, uma questão de hábito. Oras, é preciso, então, criar esse hábito da leitura desde cedo e a qualquer hora! E não que isso seja apenas papel da escola ou da família. Os meios de comunicação são armas poderosas e (especialmente a TV - com sua enorme audiência) poderiam fazer muito pela literatura. Mas já reparou quão raras são as cenas em programas/novelas/séries que incluem livros e literatura? (Ainda bem que a Internet está indo bem até agora!). Enfim, eu acredito no poder dos livros, acredito que ele pode encurtar distâncias e acredito que a gente pode mudar isso. Acredito, inclusive, que eu poderia dedicar mais tempo às minhas leituras...

Pronto, falei.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

a crônica da caixinha

Enquanto eu olhava pela última vez as ruas de Brasília e me despedia silenciosamente das minhas memórias você olhou pra mim - talvez pela primeira vez.


"Por que você está tão triste? Não era isso que você queria?"

"Continua sendo o que eu quero."

"Então por que essa cara?"

"Acho que a pergunta certa seria, o que você está fazendo aqui?"

"Como assim?"

"Faz mais de um ano que não nos vemos ou nos falamos direito e por alguma razão, de todas as pessoas que eu conheço e realmente se importam comigo, você é quem está me levando para o aeroporto."

"Não faz tanto tempo assim, faz?"

Ainda com a cabeça encostada no vidro e olhando para a paisagem respondi que de fato fazia um ano que não nos víamos.

Foi você quem finalmente quebrou aquele silêncio esmagador: "Acho que nunca te agradeci pelo chaveiro que me deu hoje."

Ainda sem olhar para ele, ri. "De nada. Você também nunca agradeceu o outro chaveiro que te dei de aniversário uns anos atrás."

"Agradeci sim!"

Ignorei o comentário. "Aliás, por que ele não está aqui com suas chaves?" Tirei o meu rosto do vidro, sentei direito e o encarei.

"Ele está guardado em uma caixinha no meu guarda-roupa."

Sem pensar, respondi: "Ah, assim como a nossa amizade."

Você quase ultrapassou o sinal vermelho. "Como assim como a nossa amizade?"

"Assim como você guardou o chaveiro em uma caixinha, você decidiu guardar a nossa amizade lá também. Faz mais de um ano que temos uma conversa decente e você entra e sai da minha vida a sua conveniência. Fico chateada que nossa amizade, melhor, que eu sou do tamanho de uma caixinha e que fico acumulando poeira em cima de várias outras coisas que cabem dentro de um armário."

Você nunca teve coragem de responder e o resto da ida até o aeroporto foi gritantemente silenciosa.

Quando eu finalmente embarquei recebi uma mensagem sua, mas não tive coragem de ler e deletei na hora.

Alguns anos depois, nos encontramos em um supermercado e você perguntou por que eu nunca respondi aquela mensagem. Fui honesta e disse que nunca cheguei a ler. Você me contou o que tinha escrito.

E daí eu olhei para você e percebi como você era de verdade - talvez pela primeira vez.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Três desejos

Um dia desses, algo muito estranho aconteceu comigo. Eu estava andando   pela praia quando de repente tropecei em alguma coisa enfiada na areia. Comecei a cavar freneticamente, totalmente dominada pela curiosidade. O que poderia ser? Não demorei muito a elaborar diversas teorias (uma mais ridícula do que a outra): uma arca de tesouro, uma mensagem em uma garrafa, um pé de bota perdido. Essas são as coisas que as pessoas normalmente encontramnos filmes, certo? Bem, eu fui mais sortuda! Eu encontrei uma lâmpada! Difícil acreditar? Eu sei, mas é verdade. Ah, e não parou por aí. O que você faria se você encontrasse uma lâmpada dando sopa por aí? Eu segui meus instintos - meu espírito de Aladdin - e a esfreguei. Adivinha só quem saiu daquela porcaria velha... Um gênio! Massa demais, né?

Mal consegui digerir a surpresa. Quando que eu ia imaginar que essas coisas realmente existiam... Como se eu não estivesse suficientemente surpresa, aquele homem de aparência tão estranha vira para mim e diz:

"E aí, mina? Quais três desejos você vai me pedir para tornar realidade? Pode mandar que eu faço."

A essa altura minha mandíbula já estava tocando o chão. Era simplesmente inacreditável!

"Eu acho que um copo d'água ia bem, hein.", ele continuou.

Eu só balancei a cabeça em concordância e um copo de água surgiu em minha mão direita. Depois de me beliscar inúmeras vezes, decidir ir com a maré. O que de pior poderia acontecer? Ganhar três desejos de mão beijada? Pensando assim até que a ideia não era tão ruim...

Mas o que eu deveria pedir? Paz mundial? Não, muito Miss America para mim. Pedir por mais três desejos? Muito cliche! Pedir para ser bonita jovem e magra para sempre? Não, muito obrigada. Pedir para viver eternamente? Muito solitário para o meu gosto. E que tal ficar rica e famosa? Muito Paris Hilton! Além disso, não sou muito fã de paparazzi... Essa decisão era mais difícil do que eu pensava. Eu queria algo que mostrasse minha personalidade ou que eu não sou uma pessoa tão egoísta. Mas que diabos seria isso?

O gênio já estava quase morrendo de tédio e cansaço uma vez que ainda estávamos na praia debaixo de um sol de rachar a cabeça. A única coisa que o coitado falava era:

"Anda logo, criatura! Isso era para ser fácil, sabe? Você pede, eu faço, eu volto para minha lâmpada. Além do mais, você não tá decidindo de qual filho você gosta mais. Escolhe logo uma coisa e pronto! Qual é a dificuldade?"

Aquela pressão toda estava me deixando nervosa. Eu não queria desperdiçar aquela chance. Era uma chance única. Eu só precisava de mais uns minutinhos para me decidir...

Ele estava ficando cada vez mais ansioso para acabar logo com aquilo e começou a me dar sugestões. 

"Que tal uma história de amor bem bonita??

Expliquei para ele que isso eu já tinha. Eu já havia encontrado um grande amor há anos e nós dois éramos felizes desde então. Sim, houveram altos e baixos, mas isso é que faz a gente ver que estamos indo para algum lugar, certo?

"Ok, que tal dar vida eterna a alguém que você gosta?"

Isso me soava um tanto injusto. Eu jamais poderia fazer alguém que realmente amo carregar tamanho fardo. Que droga viver para sempre, vendo todo mundo de quem você gosta morrer, pessoas indo e vindo! Deprimente, não?

"Quem sabe dinheiro, então?"

Essa ideia era ótima, mas eu não queria dinheiro pelo qual eu não tivesse tido que trabalhar. Algumas pessoas precisavam mais disso do que eu. Ele me disse que justiça não fazia parte do negócio dele, então aceitei um pouco de dinheiro. Eu queria começar meu próprio negócio, comprar um apartamento e viajar pelo mundo com a minha família. Depois disso, uma boa ideia para meu segundo desejo me ocorreu: eu pedi a ele por um carregamento vitalício de comida brasileira para onde quer que eu fosse. Ele prontamente me garantiu meu desejo e deixou bem claro o quanto ele estava feliz por eu só ter mais um desejo.

Qual seria o desejo perfeito para fechar? Tantas coisas passaram pela minha cabeça, mas nada me parecia justo. Muitas pessoas envolvidas... O que eu poderia pedir a ele que faria minha vida ser perfeita? Foi aí que me toquei. Minha vida não era perfeita! Mas qual seria a graça se ela fosse? Sorri para ele e disse:

"Meu terceiro desejo é viver minha vida do jeito que for para eu viver: com altos e baixos, com momentos tristes e felizes, sentindo tudo que eu tiver que sentir - tristeza, alegria, orgulho, raiva, amor. Quero o pacote completo. Quero viver uma vida plena e olhar para trás e sentir uma enorme felicidade."

Ele estava nitidamente aliviado que eu havia decidido o que eu queria mas ele me disse que isso tecnicamente não contava como um desejo já que ele não teria que fazer nada. Como eu já estava cansada de tanto tomar decisões, virei para ele e falei:

"Me dá um pôr-do-sol bem bonito e uma carona para casa. E aí estamos quites. Até porque tem um monte de gente para quem eu preciso contar essa história..."

"Você vai mesmo contar para pessoas? Você acha que eles vão acreditar em você?"

"Claro que eles não vão! Eles muito provavelmente vão dizer que eu estou louca e vão rir da minha cara." 

"Então para que contar?"

"Não tem porque, mas eu gosto de dividir. Aliás, acabei de ter uma ideia! Talvez eu escreva sobre isso no meu blog. Isso com certeza daria uma certa credibilidade a minha história, né?"

"E eu lá sei! Só sou um gênio, cara! Quem sou eu para saber?"


domingo, 19 de setembro de 2010

la dolce vita

   Eis o que eu faço quando não estou escrevendo! 

o início: a massa



produto semi-feito: quase lá!
hora de enfeitar: maquiagem culinária
segundos antes de desaparecer

deliciosamente artístico
em seu tamanho original
                                                                      


sábado, 18 de setembro de 2010

recortes pt. 7

Foi então que o engenheiro aproximou-se dos velhos amigos e disse: “Mas você hein, não perde tempo!” e deu aquele tapinha nas costas do músico como de aprovação.
Constrangido e não aprovando aquele comentário ele respondeu: “Do que você está falando?”
“Uma mulher cancela com você e em menos de vinte quatro horas já arruma outra? Isso é realmente impressionante!” Sabia que esse comentário não era verdadeiro, mas estava curioso para ver como seu amigo reagiria.
“Ah! Então quer dizer que você veio afogar as magoas?” A loira perguntou.
“Não, só vim aqui para me distrair um pouco...”
“Ele estava arrasado quando seus planos foram cancelados!” disse o engenheiro
“Pela namorada...?” A loira perguntou de tal modo que parecia que ela torcia pela resposta negativa.
“Não” Ambos os rapazes responderam ao mesmo tempo.
“Não, quer dizer, bem, ela não é minha namorada, é só uma amiga” o músico tentou esclarecer.
“Você estava muito triste para ela ser só sua amiga...” o engenheiro provocou.
“Então se ela é só uma amiga, não terá problema de você me dar uma carona para casa não é mesmo?” A loira perguntou, e a cada pergunta se aproximando um pouco mais.
“Bom, eu já estou de saída, pode ser agora?”
“Pode!” E levantou-se rapidamente e o pegou pelo braço.

Durante a caminhada até seu carro, a loira tinha falado que tinha deixado sua chave com a sua amiga que morava com ela, mas só voltaria mais tarde e perguntou se não seria incômodo esperar por ela em seu apartamento.
Ele olhou para ela e pensou nos comentários que o engenheiro tinha feito durante a noite e finalmente concordou com o pedido. Estavam os dois já bem embriagados quando chegaram em casa e ela já segurando seu sapatos nas mãos praticamente se jogava para cima dele.

Entraram no apartamento e não tinha ninguém em casa. Já estava tarde e talvez por cansaço ou talvez pelo simples fato de estar bêbado, foram até seu quarto e como uma vela que se apaga por um simples vento, a luz que vinha do seu quarto se apagou.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

recortes pt. 6

No outro lado da linha, o músico olhava para o celular que tinha terminado nossa conversa de maneira abrupta e riu. Sabia que eu era péssima em carregar meu celular e sabia que provavelmente a bateria tinha acabado mais uma vez no meio de uma de nossas conversas. Pondo o celular no bolso, foi até seu quarto onde estava o engenheiro.

“Que cara é essa?” disse o engenheiro ao o ver entrar no quarto.
“Ah, meus planos foram cancelados hoje...” respondeu olhando para o chão.
“E desde quando isso é motivo para ficar em casa olhando para o chão? Vamos sair! Barzinho é o que não falta nessa cidade!”
“Ah, acho que é melhor ficar em casa mesmo, amanha tenho que acordar cedo..”
“Então quer dizer que pode voltar tarde do cinema, mas não de um barzinho para casa? É isso que eu estou ouvindo?”
“Ha-Ha, no cinema pelo menos eu não chegaria em casa bêbado!”
“Vamos beber só para relaxar então, não temos nada melhor para fazer mesmo! Vamos, aposto que o resto do pessoal deve estar por lá...”
Hesitou um pouco, sabia que não era uma boa idéia ir, mas se deixou levar pela pressão do engenheiro.

....

O barzinho estava lotado para variar. Quando chegaram lá, logo avistaram um grupo de amigos seus que estudaram com eles na faculdade. A noite estava agradável e uma cerveja gelada era o que faltava para tornar aquele cenário ideal. Assim que sentaram, avistaram uma mesa de mulheres que usavam jalecos brancos. Assim que o músico tinha sentado percebeu que uma delas em particular não parava de o olhar. Achou aquilo estranho, pois nunca tinha a visto antes.
Depois de algumas horas, e algumas várias cervejas, a mulher que o olhava, a loira, se sentou no lugar vazio do lado do músico.
“Você não se lembra de mim, não é? Ela falou se inclinando um pouco perto demais dele.
“E é pra lembrar?” Ele perguntou, tentando se afastar.
“Já fomos casados! Como não se lembra de mim?” Ela riu e ele ficou momentaneamente petrificado em seu lugar esperando uma explicação.
“Sim, acho que estávamos na terceira série, e nós éramos o casal da festa junina do colégio. O padre nos casou e tudo!” Continuou rindo e Ele finalmente parece ter se situado em relação aquela estranha.
“Ah! Nossa! Aquilo foi há mil séculos atrás! Como se lembrou de mim?” Perguntou realmente surpreso.
“Uma mulher nunca esquece seu primeiro marido!”
O engenheiro, presenciando essa conversa toda, percebeu que a loira queria algo mais daquela conversa, enquanto o músico parecia realmente só estar lá pela conversa. Sabia que seu amigo estava triste em relação ao furo da amiga, mas ele (o engenheiro) levava o rancor dela nunca ter ligado para ele e nem mesmo ter mencionado sequer uma vez seu encontro na festa. Sabia também que seria só uma questão de tempo até que eles (a menina e o músico) se entendessem e ficassem juntos. O engenheiro estava decidido a não deixar isso acontecer sem ele ter sua devida chance com ela.

Encabulada (final)

Depois de alguns dias, ela já estava bem melhor. E, de fato, tinha aprendido alguma coisa: o tempo é mesmo o melhor remédio! Mas eis que, na segunda-feira antes do tal concurso, vem a surpresa: a caminho do trabalho, ela recebe uma ligação do dito-cujo, querendo saber se eles poderiam se encontrar no final da tarde. Ela inicialmente ficou sem saber o que dizer, pois esperava que o encontro fosse acontecer só na semana seguinte, mas disse que daria um jeito. A esperança de colocar os pingos nos ‘is’ - de uma vez por todas - a deixou estranhamente animada.

Para o encontro, o rapaz sugeriu a torteria favorita dela, mas ela disse que a praça de alimentação do shopping estava de bom tamanho e era mais perto. Marcaram no shopping, às 19 horas. Sempre pontuais, os dois chegaram quase juntos e ele, tentando criar um clima mais amistoso, foi logo perguntando sobre o dia dela. Ela, curta e grossa e sem um pingo de paciência, disse que não interessava e que era melhor irem direto ao ponto.

Ele então começou a se explicar e disse que queria uma espécie de tempo, que precisava acertar os 'ponteiros', mas que gostava muuuito dela. Aham. Ela imediatamente rejeitou a proposta do 'tempo' e disse que, considerando a situação, era melhor não ficarem juntos mesmo, que cada um deveria seguir com sua vida e que ele poderia ficar tranquilo para ficar com quem ele quisesse.

Confuso (ou se fazendo de confuso), ele disse que não estava entendendo a reação dela e que não tinha ninguém na vida dele. Ela, meio nervosa, riu. O rapaz, percebendo a delicadeza da situação, jurou por tudo que é mais sagrado que não tinha outra pessoa na vida dele e que apesar de gostar muito dela, a viagem tinha ajudado ele a ver as coisas sob outra perspectiva e que ele só estava precisando de um tempo para repensar a vida dele - sozinho. Era só isso.

Querendo por um fim ao encontro, ela disse que não se importava com o que pudesse ter acontecido de verdade e nem com as repensadas da vida dele, mas que ele devia ter sérios problemas por apresentar uma mudança de comportamento tão abrupta sem um motivo decente. Ela concluiu a conversa dizendo que talvez fosse melhor ele ficar sozinho mesmo, e pediu para que nunca mais a procurasse, ligasse ou mandasse mensagem. Era melhor assim. E sem perder tempo ou dar a ele a chance de prolongar o diálogo, ela levantou-se e foi embora, enquanto ele ficou ali - com aquela cara de pastel sentado a mesa.

Era A separação (definitiva!). E a verdade era que ela não fazia questão de trocar o adjetivo dessa vez - pois sabia que isso poderia machucá-la ainda mais. Mas não era verdade que ela não se importava com a verdadeira causa de toda a mudança. "Será que ele estava dizendo a verdade? Será que não tem mais ninguém? Será que ele nunca mais vai me procurar mesmo?" - eram pensamentos que insistiam em permanecer na sua cabeça; e ela ficou encabulada pensando nisso por um bom tempo, mas confiando que o melhor remédio (o tempo) logo logo faria efeito...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Encabulada (continuação)

Na última ligação, ele disse que estava pensando sobre o namoro e que talvez aquilo não fosse dar certo - que talvez tivesse se precipitado demais. Disse ainda que estava sentido falta da tal “paixão avassaladora” e que isso era fundamental para o sucesso de qualquer relação. Apesar da inexperiência em relacionamentos, ela já tinha uma idéia do que ele realmente estava querendo dizer. E como sempre foi objetiva na vida, disse:

- Você quer terminar? É isso? Tudo bem. Mas você começou esse namoro olhando na minha cara então o mínimo que você pode fazer é terminar ele aqui, na minha frente e olhando nos meus olhos.

O rapaz então disse que poderia ter se expressado mal, que não era bem isso que ele queria dizer, mas que de qualquer forma eles precisavam conversar e que isso seria feito assim que ele retornasse de viagem. Ok. Acrescentou ainda que os pais o buscariam no aeroporto e que ele ligaria para marcar um encontro – mas só depois que fizesse a prova do concurso que quase todo mundo em Brasília ia fazer, ou seja: uma semana depois de voltar de viagem. Muito bom!

Quando aquela esquisita ligação terminou, a professora só conseguia pensar em uma coisa: doença – é isso! Ele deve ter sérios problemas psicológicos e precisa urgentemente de tratamento. E agora parecia que ela também precisava de alguma coisa – estava possessa! “Como pode, eu estava quietinha, Senhor. Esse infeliz entra na minha vida e depois faz uma coisa dessas... sem nenhuma explicação decente e do nada”.

Ela tinha esperado tanto tempo pela pessoa ‘certa’ e em pouco tempo descobriu que a sua super aposta, que tinha tudo pra ser um sucesso no começo considerando tamanha dedicação do rapaz, foi a maior furada da sua vida. “Que ódio” – ela repetia sem se dar conta. E então, depois que a raiva e o ódio passaram, ela chorou. Chorou porque estava se achando uma idiota de ter confiado tão rápido em alguém que ela mal conhecia. Chorou porque já estava sentindo falta das ligações e mensagens e encontros e beijos. Chorou porque não conseguia entender o que tinha feito de errado...

Então, ela se deu conta que, naquele momento, precisava mesmo era de alguém para confortá-la. Imediatamente ligou para sua melhor amiga que ao saber do ocorrido, sem nem pestanejar, disse:

- Ele tem outra. Certeza. Essas coisas não acontecem assim. Com certeza ele saiu lá, encontrou alguém e está se achando. Pode até não ter ficado com ela nem nada, mas com certeza ficou balançado e estava carente... Vocês estavam namorando há o quê? 5 meses, né?

- Isso, quase 5 meses – disse a professora ainda inconsolada.

- E era só beijos e abraços, né?!

- Claro, você sabe que eu quero casar antes de qualquer coisa.

- Então você já sabe o que deve ser o sinônimo de paixão avassaladora, né? Mas é isso, bola pra frente. Tudo acontecesse por uma razão, às vezes é pra te mostrar que não existe pessoa perfeita... e que muita água vai passar debaixo da ponte ainda... E no fim é bom acontecer essas coisas, a gente sempre aprende alguma coisa... Ânimo, amiga, tem muita gente nesse mundo!!!

Mas a nova solteira só conseguia pensar na repentina mudança de comportamento do rapaz. Dentro dela algo dizia que tinha relação com outra pessoa, só que ela não queria acreditar. Depois que sua amiga pronunciou aquelas palavras foi como se o pensamento tivesse se transformado em realidade. E doeu mais ainda.

Quanto a paixão avassaladora, ela não sabia muito o que dizer – não tinha conhecimento de causa. O que ela sabia era que paixão é um tipo de sentimento muito instável e que não dá pra construir nada sólido tendo ela como base. Só o amor pode ser essa base. E provavelmente não fosse esse o caso.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Encabulada

“Namora comigo? Eu posso te fazer muito feliz – só preciso de uma chance”.

Não foi a primeira vez que a professora ouviu um pedido desse tipo – mas foi a primeira vez que ela se sentiu inclinada a aceitar. E o motivo não tinha nada a ver com amor, paixão ou qualquer coisa parecida. Aquela inclinação era resultado das várias investidas do rapaz. “Tanta persistência assim deve significar alguma coisa, talvez seja desígnio divino” – pensou ela.

Assim, aos 23 anos, ela finalmente decidiu aceitar um pedido de namoro. Sim, aos 23 anos! Ela já estava formada, tinha um bom emprego, já havia viajado para vários lugares e estava começando a sentir falta de algo que nem ela sabia explicar direito. Um namorado, ou melhor, um companheiro poderia ser esse algo. E o rapaz em questão, que insistia em agradá-la de todas as formas, poderia ser esse alguém. Afinal, eles compartilhavam crenças, tinham gostos parecidos e estavam dispostos a investir em uma relação – então, por que não?

Começaram a namorar. E a professora, tão acostumada com sua independência, se viu obrigada a abrir caminho para algumas mudanças no seu dia-a-dia. Eram mensagens e telefonemas e almoços e cinemas e jantares mais que freqüentes. Aos poucos, ela – que inicialmente demonstrava certa frieza, fruto da sua inexperiência – foi se soltando e viu que sabia ser carinhosa. Percebeu que estava gostando tanto da nova experiência quanto do persistente rapaz.

Os dois estavam juntos a pouco menos de um mês e tiveram a primeira separação (provisória!). Ela fez uma viagem ao exterior, e diferente do que estava acostumada, teve que ligar para a cidade natal com bastante frequência. No começo ela se esquecia ou até mesmo estranhava ter que dar satisfação dos seus dias de férias. Mas depois, apegou-se ao ritual e inclusive tinha a necessidade de partilhar as novidades. Ao voltar de viagem, foi apresentada para a família dele e sentiu que aquilo realmente poderia dar certo. Seria o primeiro namorado, seu futuro marido? Era aquilo que estava reservado para ela? Parecia que sim. E ela acreditava.

Três meses depois, aconteceu a segunda separação (provisória!) – era a vez dele viajar. O rapaz ia visitar uns parentes na cidade que nunca dorme e dizia já estar com saudades antes mesmo de embarcar. Prometeu ligar para a namorada todos os 22 dias da viagem – e foi assim nas 2 semanas que se seguiram. Mas depois de um domingo, ele só voltou a dar notícias para ela na quarta-feira. A namorada inclusive já estava morta de preocupação, achando que algo grave pudesse ter acontecido. Mas, aparentemente, não era nada demais – ele tinha passado por uns contratempos. E esses contratempos, aparentemente, devem ter sido bem grandes mesmo, pois o rapaz ligou apenas duas vezes depois....

domingo, 12 de setembro de 2010

recortes pt. 5

Já se fazia dois meses que tínhamos nossas aulinhas de violão semanais e por mais que estava ficando impossível conciliar meus estudos da universidade com a música noturna, eu estava me divertindo demais para poder parar. Além das "aulas" duas vezes por semana, tínhamos nossos almoços semanais também. Toda quarta-feira ele me encontrava na universidade e almoçava comigo no RU. Era engraçado o ver todo arrumado enquanto ninguém mais no refeitório usava uma gravata. (Sim, o músico, durante o dia era concursado!) Ele rapidamente fez amizades com os meus amigos e quando não dava para ele me encontrar para almoçar todos reclamavam de sua ausência.


Além dos nossos almoços e conversas, mandávamos e-mails com piadas ou reportagens interessantes e eu até tinha o convencido a me acompanhar a varias exposições de arte e cinema, atividades que nunca teria feito se não fosse meus empurrõezinhos estratégicos, mas sempre bem intencionados. Ultimamente estávamos passando muito tempo juntos. Sempre nos falávamos por telefone e aqueles encontros semanais rapidamente viraram encontros diários. Acho que grande parte da nossa afinidade vinha do fato de sermos tão diferentes um do outro, e foram exatamente essas diferenças que nos aproximava.

Um dia que tínhamos planejado ir ver uma mostra de filmes em francês no CCBB, mas eu tinha uma prova no dia seguinte e devido a falta de tempo, não tinha estudado a matéria ainda.

O músico me ligou com a maior empolgação do mundo para confirmar nosso cinema: “Não acredito que estou animado de verdade para ir ver um filme em francês! Só você mesmo para me fazer ver uma coisa dessas!” Ele falou rindo.

“Ah, sobre isso, por favor não me odeie! Tenho prova amanhã, e não vai dar para ir!” Falei essas palavras com o coração carregado, maldita prova, realmente queria ir!

“Ah, mas você é inteligente, não precisa estudar! Te busco em casa às 7 da noite!”

Percebi que tentava me elogiar para conseguir o que queria. “Ah, claro! Se sou tão inteligente assim então para que ir a universidade? Já sei o suficiente e portanto vou parar de ir e um emprego vai automaticamente cair do céu!” Respondi com o mesmo tom brincalhão dele.

“Esse é o espírito da coisa! E de qualquer forma, você vai sempre ter esse seu músico aqui para te sustentar!” Ele falou isso, provavelmente brincando sem perceber o efeito que essas palavras tinham sobre mim, e houve uma pausa um pouco maior que se esperava da minha parte.

“Está aí ainda?” Ele perguntou.

“Sim, desculpe, um brinco meu tinha caído aqui no chão...”

“Ah, ta...”

Sabia que ele não tinha acreditado muito em mim.

Esse era o problema da nossa amizade, ao mesmo tempo em que ambos queríamos mais alguma coisa, nenhum de nós era capaz de dar o primeiro passo. Não sei o que o impedia, mas da minha parte com certeza era medo de ser rejeitada e perder o que tínhamos.

“Olha, prometo que saímos amanha sem falta! Te deixo até me levar para um barzinho, que tal? Eu realmente preciso estudar!”

“Não, tudo bem, a gente se fala mais tarde ou amanha então...” Percebi que ele não estava muito feliz com minha mudança de planos.

“Pode ir sem mim para o cinema, aproveita e leva um dos seus amigos e apresente a eles o maravilhoso mundo do cinema europeu!” Ele não se convenceu muito, mas percebeu que a prova devia ser importante para eu perder um cinema, um dos meus programas favoritos e me deixou ir.

"Ah, claro! Vou chamar o engenheiro para ir lá ver comigo então, aposto que estava morrendo de vontade de ir mesmo!"

Senti-me um pouco mais aliviada vendo que ele já estava fazendo piadinhas e como meu celular estava com a bateria fraca, ele acabou a nossa conversa por nós. Foi melhor assim, eu realmente precisava estudar. Peguei meus livros e fui até a biblioteca e percebi que a noite seria longa.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ah, se soubesse...

Ah, se eu soubesse...

como emagrecer dormindo
como ficar milionária sem fazer esforço
como criar um avatar para malhar e para corrigir redação por mim
como me livrar de gente incoveniente para sempre
como trocar o pneu do carro
como achar tudo que eu perdi
como cozinhar decentemente
como derrotar a preguiça
como resistir a tentação do bombom nosso de cada dia e da pipoca
como saber quem vale a pena e quem não vale
como ter coragem sem ter medo
como lidar com meu próprio humor
como fazer as perguntas certas
como encontrar a plenitude
como não querer matar algumas pessoas
como dar conta da minha vida sem me afogar
como voltar para borda da piscina
como botar um basta nas histórias mal resolvidas
 

Ah, se eu soubesse tudo isso...
Se eu soubesse todas as respostas...
O mundo não teria a menor graça!
Aí eu ia reclamar do que?
Eu ia aprender o que?

Lara - sabendo que não sabe de nada

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nadar.

Sempre fui apaixonada por água e durante muito tempo sonhei em ter uma piscina em casa. Daí, aos 8 anos, quando a minha mãe resolveu me colocar na aula de natação (diferente do que aconteceu quando ela tentou me colocar na de ginástica olímpica), eu não hesitei.

Adorava a piscina da academia, os saltos de ponta, a virada olímpica, os óculos de natação, os mergulhos, os espaguetes coloridos e as apostas pra ver quem tinha mais fôlego. Adorava estar debaixo d'água.

Nadei por muitos anos, mudei de piscinas várias vezes e finalmente comecei a treinar de segunda a sexta para competições. Mas a grande questão era: eu não gostava de competir! E ninguém entendia como era possível que nas aulas os meus tempos fossem tão bons e na hora do ‘vamos ver’ um verdadeiro fiasco.

Mesmo assim, eu ganhei 3 medalhas – e também certa aversão a piscinas. Treinando tão frequentemente, aquele cheiro de cloro começou a me enjoar, a preocupação com o meu cabelo foi aumentando e o prazer em estar na água desapareceu com a pressão para diminuir os tempos e apresentar melhores resultados.

Um belo dia, eu perdi a paciência e decidi nunca mais voltar ao SESC. E pra falar a verdade, me senti aliviada. Eu não queria ser nadadora mesmo, então pra quê tudo aquilo? Decidi também que eu talvez não gostasse tanto assim de nadar e passei a me contentar em basicamente olhar a água – fosse um lago, rio, cachoeira, mar ou mesmo uma fonte. Isso já me fazia - e ainda faz - muito bem.

Mas nesse feriado, eu senti uma vontade enorme de nadar, que nem sei bem de onde veio. E eu nadei. E posso dizer que foi a melhor coisa que eu fiz em muito tempo. Mergulhar e dar aquelas braçadas me fez lembrar de coisas que eu vivi e de prazeres que antes eu não abria mão - e que tinham se perdido em algum lugar dentro de mim...

Engraçado como a gente consegue se perder desse jeito e se esquecer de coisas que costumavam fazer a gente se sentir tão bem. Muitas vezes é porque a gente acha outras coisas mais interessantes ou simplesmente porque mudamos mesmo... mas parece que tem partes da gente que ficam escondidas, esperando o momento de serem encontradas e fazerem sentido novamente. 

Rosana - procurando o caminho de volta. 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

recortes pt. 4

Antes de começar a “aula”, a mãe do engenheiro disse para o músico que eu lembrava muito a amiga imaginária de seu filho - os dois me olharam com uma cara estranha e tirei o chapéu xadrez da cabeça e o coloquei em cima da mesa. Não entendi o que ela queria dizer com isso, então sorri mais uma vez

Já quase no final da nossa aula, vi a porta da frente abrir e entrar um rapaz de aproximadamente a mesma idade que o músico e assim que esse estranho me viu ficou surpreso. Fiquei olhando para ele um bom tempo porque me parecia muito familiar, mas não consigui me lembrar de onde o conheçia e muito menos interpretar aquela expressão de surpresa em sua cara. O engenheiro então se aproximiu de nós e o músico nos apresentou na maior inocência. Achei estranho todo aquele olhar sobre mim, mas descartei o caso, estava muito feliz para pensar em qualquer outra coisa.


Às onze da noite meu pai me ligou e perguntou onde estava e se planejava voltar para casa alguma hora. Entendi isso como uma maneira indireta dele dizer que já estava na hora de voltar, infelizmente. Como morávamos bem perto um do outro, o músico caminhou comigo até meu bloco, pois seu carro estava na oficina.  Quando chegamos na minha portaria surgiu aquele silêncio inevitável. Pensei rapidamente em algo interessante para falar, mas é ele quem fala. “Sabe, você realmente parece com a descrição que meu amigo fez de uma garota que ele conheceu em uma festa.” Não sabendo o que responder, falo: “É mesmo?”.

Ele pausa e responde: “Sim, mas ele deve ter inventado essa historia toda de menina da festa porque ele nunca dá seu telefone para ninguém e muito menos bebe refrigerante em festa open-bar!” Se eu pudesse ver meu rosto nesse exato momento, tenho certeza que me veria empalidecer. Então era da festa que eu conhecia seu amigo. Tudo fazia mais sentido agora! Era por isso que o engenheiro, ao me ver sentada na sua sala de estar tivera aquele olhar de espanto. E eu nunca liguei para ele, pensei!

Meu elevador tinha chegado e acho que ouvi o músico se despedir de mim e falar que me veria na quarta, mas não prestei muita atenção. Aliviada de estar sozinha, decidi não pensar demais no caso e ver o que aconteceria na quarta. Afinal de contas, não iria me acrescentar em nada me preocupar com isso antecipadamente.

Hoje ele faria 91 anos...

Multifacetado. Essa é a melhor palavra para descrever meu avô. Ele foi um marido folgado e machista, um pai durão e autoritário, um compadre bem-humorado e prestativo, um vizinho simpático e um avô sensacional. Era um homem metódico: sentava sempre no mesmo lugar, só comia em prato fundo, tinha uma rotina rígida e dependia dos serviços que minha vó incessantemente lhe prestava.
             
Nunca tive a impressão de que ele era muito carinhoso, nem com os netos, nem com os filhos. Mas talvez eu tenha pensado assim porque eu era neta número cinco. Quando eu nasci, ser avô não era novidade. Não tinha mais aquela excitação. Era o caminho da vida, algo que era para acontecer e do qual ele já era testemunha há algum tempo. O interessante, no entanto, é que ele nunca deixou sua criatividade e sua satisfação em nos ver de lado.
             
Eu ia muito a casa dele e era sempre a mesma coisa. Eu chegava e sabia que ou ele estaria sentado na garagem vendo o movimento da rua ou estaria na sala vendo TV. Era minha obrigação ir até ele e pedir a benção. Eu detestava esse hábito ultrapassado e sempre dizia a ele que um dia eu teria netos e que eles nunca teriam que me pedir a benção. Um beijo me bastaria. Ele enchia os pulmões e ria da minha cara, dizendo que era uma questão de educação e respeito.
             
Pior do que esse costume era ter que fazer favores para ele. Eu sempre fui muito preguiçosa e adepta à lei do menor esforço. Odiava fazer favores. Só que os que ele pedia não eram bem favores. Eram mais ordens. Não tínhamos escolha. Ele pedia para buscarmos um par de meias e calçar nos pés dele e terminar o serviço deixando seus chinelos perto do descanso de pés. Eu queria me matar quando ele queria que eu fizesse essas coisas. Eu tinha nojo! Ia reclamando até o quarto dele, de cara fechada e com muita má vontade. E ele ainda ficava reclamando por causa da demora. Eu gritava lá de longe que meus netos não iam ter que fazer isso por mim e que ele não me fazia favores. Ele retrucava que era por isso que ele era o avô e eu, a neta.
             
Porém, havia também coisas das quais eu gostava e que fazia com um sorriso enorme de satisfação no rosto. Fazia parte do nosso repertório de atividades ir até a pastelaria buscar uns pastéis para a hora lanche, ir até a banca comprar picolé de limão (não tinha escolha porque ele gostava desse) e ir até uma espécie de restaurante buscar frango assado. No caminho, meu avô ia me contando histórias de aventuras que ele viveu, de moças bonitas que ele conheceu, de coisas que ele viu. Os detalhes já não guardo mais na memória. O que ele falava não me importava muito. Eu nem sei se eu realmente podia acreditar... Para mim, o legal era sair com ele. Era rir da brincadeira mais boba que ele fazia quase todo dia:
            – Eu não sei falar “girafa”. Eu só sei falar “gifara”.
            – Aí, vó. Acabou de falar!
            – Falar o que? Girafa? Eu não! Eu só sei falar “gifara”.
             
Nossa! Como eu me divertia com esse diálogo! Acho que não teve uma vez que eu o encontrei que ele não falou isso para mim. Às vezes, ele trocava a palavra, mas minha preferida mesmo a “girafa”. Não tinha jeito.
          
Outra coisa que eu adorava no meu avô era sentar no colo dele e ouvir o som do seu relógio de bolso. Para mim, era algo impressionante. Não me lembro a primeira vez que fiz isso, mas me recordo perfeitamente da fila que eu e meus primos formávamos, na ordem em que nascemos, para ouvir aquele sonzinho mágico. A ansiedade era tanta que até brigávamos quando tínhamos a impressão que um tinha ouvido mais o relógio do que outro. Ironicamente, durante aqueles poucos segundos em que nossos ouvidos quase engoliam aquele mecanismo cansado pelo tempo parecia que o mundo tinha parado. Nada mais importava. Éramos só nós, o colo do vô, o tic-tac e o silêncio.
           
Eu não via defeitos nele. Nenhum. Eu gostava demais dele para isso. Só tinha uma estória que me fazia odiá-lo infinitamente. Quando minha mãe era pequena, ela ganhou uma bola. Era linda, colorida e muito bem cuidada. Um dia, meus tios resolveram que queriam brincar com ela, mas minha mãe não queria emprestar porque sabia que seu brinquedo querido receberia muitos chutes que o deixariam deformado. Ela tinha acabado de lavar a bola e não queria estragá-la. Meu tio mais novo, não concordando com a decisão da minha mãe, queria tomar a bola dela. Começaram a brigar. Meu avô ouviu a confusão e resolveu terminar com aquilo de maneira definitiva. Buscou uma faca, fez minha mãe segurar a bola e a cortou no meio. Esse episódio, que ouvi várias vezes da boca dos envolvidos, me causava verdadeiro horror. Eu achava injusto, estúpido. Não tinha motivo para tamanho exagero. E a verdade é que o tempo passou e fez desse dia mais uma história de família, mas eu nunca consegui perdoar meu avô por isso. Nunca!
             
Os anos foram passando e meu avô, envelhecendo. A vida foi cruel com ele. Fez do senhor da casa um homem que necessitava de cuidados constantes. Ele foi degradando, perdendo a memória, os movimentos das pernas, sua autoridade, sua majestade. O homem alto e imponente que era deu lugar a outro miúdo, magro, curvado. Durante dez longos e sofridos anos, vimos o patriarca da família sendo destruído pelo Alzheimer. Nós vimos nosso avô querido desvanecer, sem acompanhar nosso crescimento. Ele estava lá, mas não sabia mais quem éramos. Os netos deles eram crianças barulhentas que brincavam pela casa, não aqueles projetos de adultos que iam visitá-lo. 
             
A situação foi se agravando a cada dia. Sabíamos que não podíamos fazer nada. Ele estava nos escapando e, a nós, só cabia lamentar. Ele foi ficando muito fraco. Engasgava facilmente, pois o esôfago não tinha mais força. Seu corpo inteiro precisava de um descanso. Minha mãe internou-o em um bom hospital, onde ele ficou quinze dias. Não tive coragem de visitá-lo. Não queria ver o avô que tanto amei ligado a aparelhos, cheio de tubos e fios por todo lado. Aquele já não era mais ele.
             
A família toda sabia que o tempo dele estava se esgotando, mas ninguém se prepara para perder alguém que ama.     Dia 3 de março de 2004, dias antes de começar meu primeiro semestre na UnB, o telefone da minha casa tocou. Era de madrugada. Eu já sabia o que era. Depois de tanto tempo, ele finalmente tinha se rendido. Era mesmo a hora dele.
             
Minha mãe saiu correndo para buscar um terno para ele. Muitas providências tinham que ser tomadas: enterro, velório, todas as pessoas tinham que ser avisadas. Eu só chorei. Mais nada. Nunca tinha ido a um enterro ou visto um morto tão de perto. Tive medo de chegar perto do caixão, mas quando criei coragem, fiquei feliz de ver que ele tinha um ar sereno no rosto. Não tinha mais a aparência que a doença tinha lhe dado. Parecia meu avô da minha infância, aquele que brincava comigo.
             
Na hora de levarmos o caixão até a cova, o tempo não ajudou. Uma tempestade caiu. Era como se até o dia se entristecesse com a perda dele. Ele foi enterrado na ala dos pioneiros, embaixo de dois pés de manga. Tudo como ele queria. Foi angustiante ver aquele caixão fechado descer dentro daquele buraco, a terra encharcada sendo jogada por cima, as flores fechando o ritual. Aquele era mesmo o fim. Agora, iríamos ter que aprender a viver com ele só nas mais deliciosas memórias de criança.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Meus monstros de estimação

Sou professora. Meu ofício é ensinar. É para isso que eu vivo e é isso que eu sei fazer: ensinar. E não estou falando só de Inglês porque todo professor ensina muito mais que isso. Ensino sobre respeito, responsabilidade, civilidade, perseverança, confiança, caráter. Impossível pensar em sala de aula e não pensar em educação em seu sentido mais amplo. E é isso que eu faço, educo.

Mas hoje fiquei pensando sobre tudo que já ensinei na vida. Não só para os meus alunos, mas para as pessoas que passaram na minha vida. Acho que meu saldo é positivo, mas não consigo não me lamentar pelos montros que eu criei. Pisei deliberadamente em corações que não mereciam ser pisados, xinguei quando não precisava, levantei a voz, critiquei e julguei sem fundamento, apontei o dedo, magoei incontáveis vezes. Não fiz todas essas coisas com a intenção de machucar, mas mesmo assim iso foi inevitável. Muito frequentemente, querendo ou não, ensinei a lição errada.

Como não lamentar que acabei ensinando tudo trocado? Estraguei essas pessoas! Não completamente, é claro, mas estraguei. As minhas antigas versões deixaram nelas marcas que hoje eu não deixaria. Aliás, hoje eu teria feito tudo diferente. Só que o tempo não volta. O que eu fiz, está feito!

E o que acontecem com meus monstrinhos de estimação? Andam por aí aos tropeços, achando que a porcaria que eu ensinei estava certa. E pior: achando q a pessoa idiota que eles conheceram, as Laras antigas, são retratos de quem eu realmente sou. Ah, se eles soubessem...

Por isso, meus caros montros, espero que onde quer que vocês estejam, vocês tenham a chance de reaprenderem as lições tortas que deixei para trás. Esqueçam isso! Muitos de vocês jamais esbarrarão em mim novamente. Não terei a chance de remendar meus erros. Mas espero que alguém o faça. Vocês não merecem o estrago que eu causei. Por menor que seja. E por vocês prometo tentar errar menos. Não quero mais a responsabilidade de criar monstrinhos! Prefiro olhar para o meu passado e sentir orgulho dos traços que desenhei em alguém. Aí sim valerá a pena ter ensinado.

Lara - de liquid paper na mão

domingo, 5 de setembro de 2010

a sete chaves

o que é seu está guardado!


Bom, então só o que é seu, leitor, por que o que é meu, honestamente, não está guardado não. É sério.

O que é meu perdeu a data de validade e expirou. O que um dia era para ser meu, já saiu de série. Não adianta mais esperar porque descarregou e nunca mais vai funcionar igual. O modelo já está antiquado - e quem quer a versão 2.0 se já fazem a versão 4.5 dele, não é mesmo? Esperei tanto por algo melhor, algo mais digno que se perdeu no meio do caminho, quebrou e parou de funcionar.

O melhor que estava por vir, não veio. Perdeu a carona, se perdeu no meio do caminho, não tinha dinheiro suficiente para o ônibus! As oportunidades se foram - tiraram férias e a ressaca ainda não passou. Aquele emprego ficou com preguiça de aparecer, preferiu ficar vendo filminho em casa com aquele salário que tanto sonhei. E as pessoas que eram para eu conhecer? para eu me apaixonar? que iam me ensinar e fazer com que eu subisse na vida? Todas elas na festa que não fui convidada, que o convite se perdeu no correio.

Eu bobiei e dancei. Eu fui namorar e perdi o meu lugar. Eu não estava de altas!

Ah, essas coisas guardadas que são feitas só para nós e ninguém mais mexe. Alguém acredita? Com você vai ser diferente? O que estava tão bem guardado, desembrulhou, caríssimo. Abriu e ninguém nunca mais viu!

sábado, 4 de setembro de 2010

recortes pt. 3

Segunda-Feira tinha finalmente chegado! Tinha um dia cheio de aulas e isso me fez pensar que não ficaria pensando muito no que aconteceria a noite, mas a cada vinte minutos me via olhando para o celular com aquela minúscula esperança que talvez ele me ligasse só para confirmar ou dizer que queria antecipar a nossa aula de violão porque tinha finalmente percebido que eu era o grande amor de sua vida e não daria conta de esperar mais nenhum minuto sem me ter por perto! Não é preciso dizer que nada disso aconteceu.


Cheguei em casa um pouco depois das cinco e meia e as seis em ponto recebo uma mensagem dele: “Está de pé nossa aula? Eu não esqueci!” Ri com a mensagem e tentei esperar um pouco para responder, mas não deu muito certo. Respondi que estava de pé sim, e que estaria em sua casa às sete da noite. Tomei banho e admito que nunca pensei que seria tão difícil escolher uma roupa!

As sete e cinco eu estava debaixo de sua portaria e pedi para o porteiro abrir a porta para mim. Como não tinha elevador, subi aquelas escadas um pouco devagar de mais, pois minha timidez e nervosismo estavam se aliando contra mim. Ligeiramente me arrependi de ter concordado com essas aulas e cogitei sair correndo de lá e rezar que nunca mais o encontrasse na minha vida. Antes de poder por meu plano de fuga em ação, ouvi alguém abrindo a porta e ao subir o último degrau, me vi diante daquela figura que a tanto tempo não tinha visto.

Era minha imaginação ou ele tinha ficado mais irresistivelmente bonito? Nunca o tinha visto sem ser com seu chinelo, short e blusa (que nunca combinavam!) e agora me via diante de alguém que usava uma blusa social azul e calça preta e um sapato fechado. Pega por surpresa, eu fiquei momentaneamente com falta de palavras e, portanto fiz o que sempre fazia quando estava perto dele, do músico, sorri.

Assim que me viu, puxou-me para um abraço como se fossemos grandes amigos de infância e que há muito tempo não nos víamos. Achando aquilo estranho, mas definitivamente não reclamando, retornei o abraço. Entrei no apartamento e vi que era totalmente diferente do que tinha imaginado. Não era sujo, não tinha comida espalhada por todos os cantos e não cheirava mal, era de fato o oposto de tudo isso. O músico, divida um apartamento com a mãe e o irmão mais velho de seu melhor amigo, o engenheiro.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Vontades

Tem dias que eu poderia dominar o mundo com as minhas vontades.

Vontade de viajar - de conhecer culturas, pessoas, paisagens e comidas até não agüentar mais de saudade de casa. E então voltar pra casa e perceber que esse é o melhor lugar da face da terra (coisa que a gente acaba esquecendo depois de algum tempo de rotina).

Vontade de ter muito dinheiro – pelo simples fato de não ter mais que me preocupar com ele. Ter o suficiente para gastar com aquilo que eu preciso (e às vezes com o que eu quero!), não viver estressada e poder ajudar outras pessoas. De verdade.

Vontade também de vivenciar todo os sentimentos dessa vida – em sua plenitude e de todas as formas possíveis. E se isso inclui se machucar e sofrer, eu até aceito. Aprendi que a gente só repara o quão bom é alguma coisa depois de passar por outra nem tão boa assim.

Vontade de poder fazer tudo aquilo que eu sempre quis. Mesmo que eu ainda não saiba ao certo o que isso quer dizer - apenas o que não quer dizer... De poder ficar o dia inteiro escrevendo ou vendo seriados ou caminhando ou pesquisando ou seja-lá-o-que-for. Sem peso na consciência por não estar fazendo algo mais aceitavelmente produtivo. Só porque eu quero.

Vontade de falar poucas e boas pra certas pessoas. Vontade de fazer um filme. Vontade de casar. Vontade de conhecer pessoas que nunca imaginei. Vontade de escalar o Himalaia. Vontade de passar uns dias em um castelo. Vontade de ir a Mônaco. Vontade de saber cozinhar divinamente. Vontade de falar alemão decentemente. Vontade de ler (quase) todos os livros do mundo. Vontade de escrever um livro. Vontade de saber cantar sem incomodar os outros...

Enfim, vontades não me faltam. Mas no auge da minha experiência de 22 anos, eu sei que sem disciplina não adianta nada. Então, a minha maior vontade exatamente agora é ter vontade de me disciplinar. Amém.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

recortes pt. 2

No dia seguinte, o engenheiro acordou às três da tarde. Morava em um apartamento com sua mãe, seu irmão mais velho que estava quase se casando e seu melhor amigo.


Ninguém tinha almoçando ainda e então se vestiram e saíram para almoçar no restaurante chinês que ficava na quadra ao lado de seu apartamento. Enquanto esperavam a comida, o engenheiro comentou sobre a festa para os outros. Falou que a música estava muito boa e que até chegou a dar seu número de telefone para uma menina. Os outros, sabendo de sua reputação de mulherengo, começaram a rir e perguntaram o quão bêbado ele estava na festa, por que desde que o conheciam nunca tivera dado seu número de celular para uma mulher, pois era sua tática de evitar problemas.

Não gostando desse comentário e negando que isso era verdade, começou a fazer uma breve descrição física da menina. “Tinha cabelos escuros, era baixinha e bem branquinha e estava usando um chapéu xadrez que combinava com seu vestido preto”.

“Nossa, você acaba de descrever metade do corpo estudantil feminino da UnB. Você conheceu de verdade essa menina ou foi só mais um fruto de sua imaginação nada sóbria?” Ele perguntou rindo com seu próprio comentário. “Ah, eu acredito em você e digo mais, espero que ela ligue mesmo!” A mãe disse, sorrindo para o seu filho. A comida chegou e logo o assunto foi esquecido.

Loja de conveniência

Tem uns dias que percebi que preciso urgentemente fazer compras.
Minha geladeira está vazia e os armários, cheios de teia de aranha.
Eu queria que desse para esperar um pouco mais, mas cheguei no meu limite.
Terei que sair do meu casulo ainda hoje e sabe por quê?
Porque preciso comprar:
- 5 potes de coragem para sair da cama todo dia
- 3 botijões de gás para ir para academia
- 10 kg de auto-estima
- 6 kg de confiança
- 8 caixas de comprimidos contra preguiça
- 1 sacola resistente para carregar o peso da minha consciência
- 3 galões de 20 litros de paciência
- 4 dúzias de inspiração e boas ideias
- 5 potes de creme anti-pessimismo
- 7 sacos de balinhas conta ansiedade
Será que estou lembrando de tudo que eu preciso?
Aposto que não!
Mas quando eu chegar na loja de conveniência, garanto que vou achar pelo menos mais umas 10 coisas que eu nem sabia que estava precisando.
Alguém quer ir fazer compras comigo?

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

recortes pt. 1

Era sábado à noite e eu não estava nem um pouco a fim de sair, muito menos com pique de ir para uma festa e voltar para casa no dia seguinte com cheiro de cigarro e maconha impregnados no meu cabelo e minha roupa. Estava a fim de ficar em casa e ver um filme qualquer na HBO e dormir cedo. Obviamente o destino tinha outros planos em mente.


Havia uma festa na universidade em que estudava na qual um dos meus melhores amigos iria ter sua estréia como DJ nela. Não tive como fugir e à uma hora da manhâ me vi saindo de casa com uma energia que animaria qualquer festa. (Sim, leia-se essa frase com um tom carregado de sarcasmo).

Cheguei na festa e a música estava ridiculamente boa – fiz uma nota mental de agradecer e parabenizar meu amigo pela excelente seleção de músicas mais tarde. Encontrei vários amigos do meu curso lá e isso me animou, era raro encontrar com eles fora de um ambiente acadêmico. Aos poucos fui me empolgando mais com a festa e ao ver todo mundo se divertindo, acabei entrando no clima e esquecendo daquela minha preguiça negativa que me impedia de sair de casa.

Estava morrendo de sede, um fato raro, pois nunca sentia sede, muito menos a noite e em festas, e decidi ir ao bar para comprar um refrigerante e aproveitar para ver se tinha algum conhecido meu trabalhando lá. Assim que me aproximei do bar vi um grande amigo meu da biologia no bar e ele chamou meu nome. Fui o cumprimentar e ele me perguntou qual seria o meu refrigerante de escolha para a noite. Ri porque todos que me conheciam sabiam que eu não gostava muito de bebias alcoólicas e ele nem fez questão de fingir que não sabia disso.

No instante que eu falei que queria um Guaraná, veio um rapaz com todo ar de quem faz o curso de engenharia e veio pedir um Guaraná também. Virei para olhar para ele e não acreditei que ele tinha pedido um refrigerante no meio de uma festa open-bar! Meu amigo foi pegar nossas bebidas e voltou com só um Guaraná. “Não vai me dizer que esse é o último Guaraná da festa!” falei com um tom incrédulo.

“Antes fosse esse o problema, essa latinha aqui é o último refrigerante da noite. E aí, quem de vocês vai levar?” Meu amigo nos perguntou. Fiquei realmente surpresa com a pergunta, estava esperando que ele me desse sem nenhuma cerimônia, afinal de contas era meu amigo e sabia que não gostava de bebidas com álcool.

“Ah, eu não posso tomar bebidas alcoólicas e a água já acabou e eu estou morrendo de sede, e eu estava aqui antes dela.” Foram os argumentos usados pelo estranho da engenharia.

“Nada a ver! Eu estava aqui bem antes de você! E eu duvido que você não beba bebidas alcoólicas!” Respondi numa voz de menina que não conseguiu o que queria.

“Mas é sério, eu não posso beber, além de ter um problema no fígado, meu pai era alcoólatra e desde que ele se recuperou eu fiz uma promessa em nunca mais beber.” O estranho rapaz falou tudo isso com um tom de voz muito sério que me fez acreditar naquela história.

Antes que eu pudesse responder, o barman que se dizia ser meu amigo respondeu: “A bebida é sua, minha amiga aqui não é tão egoísta ao ponto de não dar um refrigerante a alguém que realmente não tem nenhuma opção de bebidas a não ser essa aqui.”

Eu ia começar a falar alguma coisa quando de novo, meu amigo me interrompeu com suas palavras: “Mas isso não quer dizer que você também não possa retribuir o favor, pega o celular dela e quem sabe um dia você não paga para ela um refrigerante?” Ele falou tudo isso sorrindo e me olhou como quem tivesse feito um grande favor para mim.

“Nada, não é preciso me pagar um refrigerante hoje nem algum outro dia. É sério, refrigerante engorda.” Essa foi a desculpa que dei para tentar diminuir o estrago que meu amigo tinha feito. “Te pago um suco então, e já que você não confia em mim, te dou meu número em vez de você me dar o seu, e daí você me liga quando tiver afim de me fazer retribuir esse favor, o que você acha?” Realmente me impressionava como esse rapaz conseguia ficar tão serio diante de uma situação tão inusitada como aquela. Por que ele insistia em manter contato depois dessa festa, afinal de contas era só um Guaraná!

Meu amigo, claramente se divertindo com aquela conversa não hesitou em falar que achava aquilo uma ótima idéia e me fez tirar o celular do bolso e anotar direitinho o número do celular do estranho. Assim que o fiz ele se despediu e falou: “É para ligar mesmo, hein! Vou esperar sua ligação, por favor, não quebre meu coração!”. Meu amigo riu bem alto e gritou: “Pode deixar, ela vai ligar sim!”, mas nem sei se o engenheiro tinha escutado aquilo. Fiquei fazendo companhia para meu amigo por mais um bom tempo, bebendo aos poucos uma cerveja que já estava quente. Realmente eu não conseguia ver a graça daquela bebida.

Depois que saí do bar, fui dançar com umas amigas que tinha encontrado no caminho para o banheiro e ficamos lá até quase terminar a festa. Voltei para casa já quase com o sol saindo para inaugurar mais um dia quente e seco em Brasília.