sábado, 29 de maio de 2010

Shortinho Amarelo

Bom, hoje decidi escrever, em vez de um post, um conto.

Espero que gostem!


Inicio minha história, então, com um homem que chamaremos de Paulo Inácio (mas, para todos que me conhecem, sabem exatamente de quem estou falando!) Paulo Inácio não era nada meu, na verdade, nunca tinha sido nada meu além de amigo. E digamos que nem podíamos o classificar como um bom amigo, era na verdade um "amigo-cido". (Uma mistura ambígua entre "amigo" e "conhecido".) Nosso relacionamento, a meu ver, estava justamente aí, nesse limbo amigável. Já para Paulo Inácio, nós éramos grandes amigos, coisa que eu nunca entendi, porque por mais que ele afirmasse eu ser uma de suas grandes amigas, nunca sabia devidamente mostrar.

Sim, eu era apaixonadamente apaixonada por Paulo Inácio. Nos nossos raros momentos de intimidade (aqueles em que o universo nos concedia alguns dignos momentos a sós) eu o chamava de Shortinho Amarelo. Ok, explicarei.

Na primeira vez em que o vi, Paulo usava um short todo amarelo. Não, não era parcialmente amarelo, mas to-do amarelo. Para completar o seu look solar, também usava uma blusa amarela. Foi então que tivemos nosso primeiro contato. Estávamos em uma de nossas primeiras aulas de cálculo 3 e ele se sentou do meu lado, lá no fundão onde eu sempre sentava.

Nos primeiros momentos da aula não falamos nada um para o outro. O professor, no entanto, nos surpreendeu com uma prova surpresa e foi aí que fomos forçados a interagir. Claro que Paulo não tinha uma caneta, afinal de contas, quem escreve algo em uma aula de cálculo, não é mesmo?

"Pode me emprestar uma caneta, por favor? Esqueci de trazer uma."

"Tem preferência de cor? Tenho uma azul e uma preta."

Ele estava muito amarelo, eu não conseguia parar de imaginar mil situações que o levassem a escolher, entre todas as roupas de seu armário, essa combinação específica.

"Tanto faz. A que você não for usar."

Não resisti. " Você saberia dizer a diferença entre uma caneta azul e uma preta?"

Comecei a rir sozinha, me achando a rainha da piada.

"Uh, sim? Por que?"

Senti um súbito arrependimento. Talvez minha alusão a ele ser daltônico não tivesse sido tão engraçado quanto eu pensava. Droga, pensei. Para tentar remediar a situação logo fiz uma outra pergunta.

"Você é sempre tão monocromático?"

E ele me olhou por um bom tempo, o suficiente para eu querer morrer de vergonha e me enterrar na cadeira do anfiteatro, e abriu o maior sorriso e deu uma gargalhada genuína. Falou: " E se eu fosse de fato daltônico, hein?" E foi aí, nesse exato momento, em que me apaixonei por Paulo Inácio e o entreguei simultaneamente minha caneta preta e meu coração.

Bom, foi assim que o apelido começou. O interessante é que eu acabei de contar como nos conhecemos, mas a história que narro é sobre como nossa amizade acabou.

Um belo dia, após meses sem nos falar (tal era a constância do nosso relacionamento) nós nos esbarramos no parque. (Ele corria e eu passeava enquanto bebia uma água de coco) Conversamos por muito tempo e, inesperadamente, inacreditavelmente, ele me chamou para sair. Mais especificamente, para ir ao cinema. (Vale a pena informar ao leitor que Paulo Inácio odiava cinema, pois isso envolvia a leitura de legendas- complexo de mais para certos engenheiros) Concordei na hora antes que ele tivesse a chance de mudar de idéia. Marcamos o cinema para aquela noite e ele me buscaria em casa já que éramos praticamente vizinhos.

Quinze minutos depois do horário marcado, nada de Paulo Inácio me ligar. Antes de sentir muita raiva, fiquei preocupada, pois ele era doentemente pontual. Mais quinze minutos se passaram e nada de meu celular tocar. Contemplei ligar para ele, mas resisti fortemente! Mais quinze minutos. Mais quinze minutos. Mais meia hora. Mais meia hora. Decidi ligar. O celular pareceu tocar por um infinito, e nada dele me atender. Entrei na internet para ver se estava on-line (as pessoas podem esquecer, não é mesmo de cinemas marcados apensas quatro horas antes) e nada de Paulo Inácio.

Foi aí que eu entrei em sua página de recados, sim, sofro do mal de seguir a vida alheia, e vi que havia vários de seus amigos o convidando para o churrasco da engenharia civil que seria naquela noite. Tudo se encaixou. Ele tinha se esquecido do churrasco, me chamou para o cinema, mas quando voltou para casa se lembrou do churrasco e esqueceu do cinema.

No churrasco, Paulo Inácio tinha sido a sensação do momento. Várias meninas tinham ido começar uma conversa com ele (claro que nenhuma o insultaria de daltônico sem antes o conhecer, mas fazer o quê?). Nenhuma delas o chamou a atenção, a não ser uma loira que estava na pista de dança desde o início do churrasco. Bruna, a caloura do semestre. Paulo Inácio, que não manjava a dança, foi se arriscar na pista e logo chamou a atenção de Bruna. (Óbvio!) Passaram o resto do churrasco "conversando" e "se conhecendo melhor".

Quando deu pra lá de duas da manhã, decidiram que estava na hora de ir embora. Paulo Inácio, sendo o eterno cavalheiro, se ofereceu para levá-la para casa. Ela no inicio recusou a oferta, pois morava longe e no dia seguinte tinha uma aula bem cedo. Não sei bem o que aconteceu, só sei que não muito tempo depois os dois estavam entrando pela porta da frente do apartamento do rapaz. (Sim, além de tudo, Paulo morava com um amigo que nunca estava em casa nos finais de semana).

No dia seguinte, eu, já no auge da minha neurose, decidi ligar mais uma vez para ver se tudo estava bem com ele. (Nunca se sabe, talvez ele realmente enfartou no banheiro e ninguém conseguiu o socorrer a tempo e por isso não tinha me ligado!) Liguei e ninguém atendeu. Foi aí que tudo se encaixou novamente.

Paulo Inácio e Bruna tinham passado a noite se divertindo um com o outro e agora dormiam juntos. Ele estava tão exausto de tanta diversão que não tinha forças para atender o meu telefonema. Deve ter visto o meu nome na tela do celular e pensado: "Ah, depois eu ligo. Não deve ser nada importante." Ou até talvez tenha pensado em atender, mas Bruna acordou e começou a beijá-lo e aí, bom, você já sabe o resto.

Lá pelas tantas, a amiga de Bruna passou na casa de Paulo Inácio para buscar a amiga. Mais uma vez, Paulo, sempre um encantador, a chamou para subir. Papo vem, papo vai, os três se viram divertindo no meu sofá. (Bom, não exatamente no meu sofá de casa, mas na casa de Paulo Inácio tinha um sofá verde que era tão confortável que toda vez que eu ia lá eu sentava nele e ficava horas lá ao ponto de Paulo o batizar como meu sofá)

Bom, fato é que não sei se tudo isso que contei é verdadeiro. Não sei se de fato ele foi ao churrasco, se enfartou no piso do banheiro ou se esqueceu de verdade do cinema. Sei que depois disso nunca mais ele deu sinal de vida. Eu sei que acreditei tanto nessa história que inventei que passei a tomá-la como verdadeira, como se tivesse acontecido na vida real.

Uns meses depois disso ter acontecido, encontrei com o irmão de Paulo Inácio na padaria da esquina. Tivemos a seguinte conversa:

"Mas você e o Paulo, hein? Nunca vão se resolver não?

"Do que você está falando?

"Oras, vocês não tinham marcado um cinema uns meses atrás? Ele finalmente teve a coragem de te chamar pra sair e você não atendeu o celular a noite toda!"

Fiquei sem saber o que responder. Sabotei minha chance com Paulo Inácio porque achei que ele não estava falando sério quando tinha me chamado para sair, e me vinguei dele sem antes lhe dar a uma devida chance. Sim, quem tinha ido para o churrasco e conhecido alguém, Bruno, no caso, tinha infelizmente sido eu.

Steph - com aspirações a Pulitzer

4 comentários:

Rosana Araújo disse...

Essa imagem monocromática me espanta. hahahhaa

Druidan disse...

Perfeito!!!

Mas enfim!!! Vc levou 2 pessoas pro seu sofá danadinha?

Lara disse...

Sinto q "Parcialmente baseado em fatos reais" se aplica a esse texto, hein.
Acontece na vida, acontece na literatura.
Esse é seu lema, né, Steph?

Ai, e só pra ficar registrado: ODEIO amarelo. Depois de marrom, que é a pior cor possível, amarelo é a cor mais abobinável do planeta. Nao acho digno uma pessoa se vestir de sol e sair por aí. #prontofalei

Unknown disse...

hahahahaha eu preciso conhecer pessoas novas!