sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Bicicleta sem rodinhas

Não me esqueço do dia em que ganhei minha primeira bicicleta de verdade. Uma Caloi Ceci ("Não se esqueça a minha Caloi!", lembra?) rosa, toda incrementada. Sério mesmo, era a bicicleta mais legal que uma menina podia querer! E meu pai ainda mandou colocar uma buzina daquelas bem barulhentas (lembra?) só para eu poder tirar onda enquanto pedalava. Pensa numa criança metida! Era eu. Mas na vida de uma criança nada vem de graça e o trato era que, em troca da bicicleta, eu largaria minhas chupetas. Eu, muito espertamente, no auge dos meus 3, 4 anos de muita experiência de vida, consegui usar do meu charme para dobrar o meu pai e ficar linda pedalando de chupeta.O que mais eu podia querer, né não?

Eu e a minha bicicleta éramos amigas inseparáveis. Enfrentamos rampas perigosíssimas juntas, calçadas quebradas, buracos, pisos molhados de água com sabão, grama, lama, areia, meninos maiores que tentaram perseguir a gente. Sempre juntas! Nas adversidades, nas aventuras, nos passeios.

Sempre achei minha Caloi Ceci rosa com buzina barulhenta a melhor bicicleta do mundo. Além de ser linda, ela cumpria com excelência sua função de me levar onde eu aguentava ir com a força das minhas pedaladas. Mas... um belo dia, eu me toquei que estava ficando para trás. Um monte de crianças da quadra já estava arriscando altas manobras radicais sobre apenas duas rodas e eu ainda me mantinha fiel a minha bicicleta com rodinhas. Mais cedo ou mais tarde minha digníssima Caloi Ceci teria que ter suas rodinhas amputadas e não havia nada que eu podia fazer. Era mesmo uma questão de tempo.

Eu, que já nasci mãe da preguiça, adiei esse momento  o máximo que eu pude. Eu morria de medo de cair, me espatifar feiamente no chão, me ralar toda. Eu podia até imaginar a cena: eu caindo da bicicleta, lenta e dolorosamente, e os cretinos da quadra rindo da minha cara. Para que passar por uma situação dessas, né? Relutei até não dar mais. Cheguei até a evitar andar de bicicleta para que ninguém ficasse de butuca atrás de mim para saber se eu estava no time dos "com" ou no dos "sem rodinhas."

Mas aí não teve mais jeito. Era abandonar as rodinhas ou enfrentar o exílio social no parquinho. Como a vaca vai para o matadouro, eu fui enfrentar meu destino. Fui até a casa da minha vó, que era a pessoa que me ensinava as coisas difíceis (como contar até os números grandes e amarrar cadarço), e pedi para ela me ajudar. Minha avó nunca andou numa bicicleta na vida, mas ela topou o desafio, até porque vó é pra isso mesmo. Pegamos a bicicletinha azul do meu primo (tão feia perto da minha Caloi rosa...) e a empurramos até o estacionamento da rua dela. Lá minha vó começou a lição:

-- Sobe na bicicleta e pedala, Lara.

Fim da lição. Ela sentou no meio-fio e ficou me olhando, esperando que eu magicamente aprendesse a andar de bicicleta. Não se ofereceu para me segurar, nem para andar do meu lado. Nada. Ainda bem que quando se tem 4 anos, a gente não pensa muito nas coisas, né? Hoje me lembro da cena e fico indignada com a pobreza da aula de bicicleta da minha vó, mas na época foi o suficiente. Depois de tanto sofrer por antecipação, subi na bicicleta e pedalei. Pronto! Aprendi a andar de bicicleta sem rodinha assim. Sem muita ciência, sem explicação, mas com um tanto bom de coragem.

Depois do estresse das rodinhas, vieram vários outros. Mudei para uma escola enorme, mudei do apartamento para uma casa, fiz vestibular, aprendi a dirigir, procurei emprego, pedi demissão, fiz intercâmbio, viajei sozinha, abandonei minha profissão. E vira e mexe me vejo enfrentando aquele momento em que não tem mais como evitar que as rodinhas sejam amputadas da Calois Cecis da minha vida. O único jeito nessas horas é lembrar da aula da minha vó:

-- Sobe na bicicleta e pedala, Lara.

Pedalar. Pedalar. Pedalar. Esse é o segredo! Enquanto eu pedalar, eu não perco o equilíbrio. Não caio de cara no chão. Não riem da minha cara. O difícil é ter coragem de dar a primeira pedalada, mas depois dela as outras vão ficando cada vez mais fáceis. E aí, meu caro, é só curtir a paisagem e buzinar freneticamente do alto da minha linda Caloi Ceci rosa.

Lara - dessa vez pedalando rumo aos concursos

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